Ministra tira sigilo de apuração sobre possível charlatanismo de Bolsonaro durante pandemia

A acusação contra o presidente partiu da CPI da Covid

Imagem reprodução ilustração via google - crédito O Dia PB 

Por Fernanda Vivas e Márcio Falcão, TV Globo — Brasília

CPI da Covid pediu o indiciamento de Bolsonaro por defender uso de medicamento sem eficácia contra o coronavírus. Rosa Weber disse que sociedade tem interesse em acompanhar caso.

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta sexta-feira (25) retirar o sigilo de um procedimento da Procuradoria-Geral da República que apura possível crime de charlatanismo cometido pelo presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia.

A acusação contra o presidente partiu da CPI da Covid, que apontou charlatanismo de Bolsonaro ao recomendar uso de medicamentos ineficazes contra a Covid.

O charlatanismo está previsto no Código Penal. Trata-se da divulgação, propagação, ou anúncio da cura de uma doença de modo não autorizado pela ciência, como meio secreto ou infalível, por exemplo. A pena prevista é de três meses a um ano de detenção mais multa.

CPI aponta 22 crimes, 9 deles cometidos por Jair Bolsonaro, um dos 80 indiciados

A ministra afirmou que a sociedade tem interesse em acompanhar os desdobramentos do relatório final da CPI ainda mais quando se trata de implicações que envolvem o presidente da República.

Rosa Weber atendeu a pedido da Procuradoria para retirar a restrição de publicidade do procedimento. A Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a defender a manutenção da reserva dos documentos.

A ministra determinou que Bolsonaro seja notificado para que, se quiser, se manifeste sobre o caso.

Ao acionar o Supremo com o desdobramento da CPI em novembro do ano passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, não solicitou a abertura de inquérito, mas pediu que o Senado complementasse as informações sobre o presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro é um dos 80 alvos dos pedidos de indiciamento da CPI.

Cúpula da CPI da Covid acusa PGR de se omitir diante de pedidos de indicamento

Divergências entre CPI e PGR

A questão do andamento dos procedimentos tem sido motivo de divergência entre parlamentares da comissão e o Ministério Público.

A cúpula da CPI da Covid acusou a Procuradoria-Geral da República de se omitir diante dos pedidos de indiciamento encaminhados pela comissão — e já chegou a defender que os procedimentos fossem públicos na Corte. A PGR diz que o material oferecido não atende às exigências da lei.

O trabalho da CPI da Covid foi encerrado há quatro meses com o pedido de indiciamento de duas empresas e 78 pessoas por crimes como epidemia com resultado morte, charlatanismo e crimes contra a humanidade.

Uma semana depois, os senadores foram ao procurador-geral da República, Augusto Aras, entregar todo o material das investigações que envolviam 12 autoridades com foro privilegiado, entre elas o presidente Jair Bolsonaro, ministros do governo, o senador Flávio Bolsonaro e deputados federais.

Em seguida, encaminharam para as procuradorias estaduais os documentos relativos aos demais pedidos de indiciamento.

Na quarta-feira (23), a cúpula da CPI veio a público para criticar o que considera falta de empenho do procurador-geral da República para investigar os denunciados.

O presidente, o vice-presidente e o relator da comissão afirmaram que, enquanto as procuradorias estaduais de São Paulo e Amazonas e a do Distrito Federal avançaram nos pedidos de apuração, Aras, nos últimos três meses e meio, procurou desmerecer e diminuir o trabalho da CPI.

O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues, da Rede, disse que a CPI atendeu a todos os pedidos de esclarecimento da PGR e que mesmo assim as investigações na avançaram.

Publicamente, Augusto Aras chegou a afirmar que não recebeu provas da CPI, apenas informações desconexas, sem relação direta entre os alvos da comissão e as supostas irregularidades que cometeram.

A Procuradoria cobrou do Senado dados detalhados, como esclarecimento sobre a elaboração do relatório e seu alcance. Esse material foi entregue pela CPI na semana passada.

Procurada pelo Jornal Nacional para comentar as declarações da CPI, a PGR afirmou que sustentou em mais de uma oportunidade, junto ao Supremo Tribunal Federal e aos próprios parlamentares, que o material inicialmente entregue não atendia aos requisitos exigidos por lei para os indiciamentos: correlação individualizada e provas que sustentam as imputações.

Segundo a procuradoria, a partir de agora, com os detalhamentos das informações feitos pela CPI, vai analisar o material sob a supervisão dos seis ministros relatores dos casos no STF.

O presidente da CPI, Omar Aziz, do PSD, disse que o longo material produzido pela comissão em seis meses de investigação está recheado de provas e que se o procurador-geral discordar, tem o direito de pedir para arquivar as denúncias. Mas o que não pode é se omitir de enfrentar os casos.

“O doutor Aras pode condenar, absolver, mas nunca dizer que não tem provas. Se ele absolver, ele entra para a história por absolver pessoas que contribuíram para a morte de 630 mil pessoas. Se condenar, está fazendo o dever dele. Agora, o único argumento que ele não pode dizer é que não tem provas”, afirma.

Ministra critica PGR

A atuação da PGR após receber o relatório final da CPI da Covid foi criticada por Rosa Weber. A ministra afirmou que, diante dos problemas apontados no material entregue pelos senadores, a Procuradoria deveria ter tentado resolver as pendências antes de acionar o Supremo.

O Ministério Público pediu ao Supremo que cobrasse do Senado o envio da lista que fazia a conexão entre o nome do presidente, o possível crime praticado e os documentos que apontam as irregularidades. Também defendia que Bolsonaro já fosse notificado a se manifestar, em 15 dias.

Rosa Weber afirmou que, nesse caso, não seria necessária a atuação do STF para que isso acontecesse, bastando que o contato fosse feito diretamente com o Senado e que o tribunal fosse depois avisado.

Ressaltou ainda que a PGR, ao receber o material da comissão, deveria ter tomado uma das providências possíveis — pedir o arquivamento do caso, a instauração de inquérito ou oferecer denúncia.

"Não cabe a este Supremo Tribunal valorar, de maneira absolutamente prematura, a qualidade da prova já produzida no âmbito da investigação legislativa mencionada e o histórico de sua respectiva documentação e custódia", disse a ministra.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/02/25/ministra-tira-sigilo-de-apuracao-sobre-possivel-charlatanismo-de-bolsonaro-durante-pandemia.ghtml