Copa dos protestos: seleções e torcida desafiam poder da Fifa no Mundial mais polêmico da história
Todos os dias o noticiário da Copa do Mundo se dividiu entre gols e protestos, craques e ativistas, glórias esportivas e crises institucionais
Torcedora protesta na partida entre Irã e Gales — Foto: Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images
Em torneio marcado por jogadores lesionados e nova eliminação da Alemanha, fase de grupos chega ao fim repleta de acontecimentos que ultrapassam os limites dos gramados
Por Martín Fernandez — Doha, Catar
Terminou na sexta-feira a fase de grupos da mais polêmica Copa do Mundo da história. Numa carta enviada para as 32 seleções que jogariam o Mundial, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, pediu a elas "concentração no futebol" e não nas incontáveis questões políticas e de direitos humanos que cercam a Copa do Catar.
Depois de 13 dias de futebol, é correto afirmar que o pedido do presidente da Fifa não foi atendido. Todos os dias o noticiário da Copa do Mundo se dividiu entre gols e protestos, craques e ativistas, glórias esportivas e crises institucionais. A começar pelo próprio Infantino, que na véspera do jogo de abertura fez um discurso de uma hora para defender o Catar do que ele considera ataques injustos por parte do Ocidente, especialmente da Europa.
A seguir, o ge lista as principais polêmicas da Copa até agora:
1 - Vai ter cerveja ou não vai?
Menos de uma semana antes do jogo de abertura, a Fifa publicou em seu site um documento chamado "Fan Guide" (Guia do Torcedor) que dizia: "Os torcedores poderão comprar cerveja no perímetro do estádio num período de três horas antes do apito inicial". Dias depois, a família real do Catar proibiu a cerveja. As lojas e estandes no entorno das arenas já estavam prontos e tiveram que ser desmontados. O documento está no ar até agora.
A Fifa depois disse que tomou as decisões "em conjunto" com as autoridades locais. Ninguém acreditou. A torcida teve que se contentar com cerveja sem álcool. Cerveja com álcool só nos pouquíssimos restaurantes autorizados a vender e na Fanfestival, o espaço com pinta de festival de música montado num estacionamento de Doha. Todos os dias há filas para comprar meio litro de Budweiser a R$ 75.
2 - Preconceito contra LGBTQIA+
O relacionamento entre pessoas do mesmo sexo é crime no Catar. Houve momentos de tensão na fase de grupos da Copa do Mundo. Um jornalista americano foi detido e impedido de entrar no estádio Ahmad Bin Ali para acompanhar o jogo entre EUA e País de Gales por estar usando uma camiseta com um arco-íris, símbolo universal do movimento LGBTQIA+. Depois de alguns minutos sem acesso a seu próprio telefone celular, ele pôde entrar no estádio com a camiseta.
O jornalista brasieiro Victor Pereira passou por uma situação perigosa. Ele foi abordado por policiais que confundiram uma bandeira de Pernambuco com a bandeira do arco-íris. Os guardas tomaram dele a bandeira, jogaram no chão e pisaram em cima. Pereira filmou tudo, mas também teve seu celular confiscado – e só devolvido quando o conteúdo foi apagado. A FIfa entrou em contato com ele para pedir informações e prometeu que situações assim não ocorreriam de novo.
Imagem mostra pessoas identificadas como policiais abordando grupo no Catar, ao confundir bandeira de Pernambuco com a da causa LGBTQIAP+ — Foto: Reprodução/Redes sociais.
Bandeirinha confere braçadeira de Neuer no jogo Alemanha x Japão pela Copa do Mundo 2022 — Foto: INA FASSBENDER / AFP
Espaços vazios no estádio no segundo tempo de Catar x Equador — Foto: Daniel Mundim
Bandeira polêmica no vestiário da Sérvia — Foto: Reprodução/Twitter
3 - As faixas de capitão
Alguma seleções europeias presentes na Copa do Mundo avisaram antes do torneio que usariam uma faixa de capitão com a inscrição "One Love" e uma coração com as cores do arco-íris, símbolo de uma campanha iniciada anos atrás na Holanda. Até a véspera de seus jogos de estreia, alguns capitães como Neuer (da Alemanha) e Eriksen (da Dinamarca) diziam estar dispostos a desafiar a Fifa e qualquer punição eventualmente imposta.
Então a Fifa jogou ainda mais duro. Informou aos times que daria cartão amarelo para os jogadores e deixou aberta a possibilidade de outras sanções. As associações nacionais de futebol então recuaram e usaram as braçadeiras de capitão cedidas pela Fifa. O time da Alemanha, para deixar bem claro que não concordava, posou para fotos em seu primeiro jogo com os jogadores cobrindo a boca. Um sinal de protesto, mais um.
Seleção da Alemanha faz protesto contra censura imposta pelo Catar na Copa do Mundo 2022
4 - O Irã esteve no centro das atenções
Nenhuma seleção atraiu tanta atenção por assuntos extra-campo quanto o Irã. Os protestos em curso no país – e a repressão violenta por parte do governo – sempre estiveram presentes no ambiente, na cobertura e nos jogos do Irã na Copa do Mundo. Reportagens do ge e do Uol flagraram torcedoras sendo agredidas e perseguidas por seus próprios compatriotas, que elas acusam de serem enviadas pelo regime do Irã para vigiá-las durante a Copa do Mundo. Algumas delas, embora vestissem a camisa do time e estivessem com a bandeira pintada em seus rostos, diziam torcer contra a seleção.
Iranianos protestam na Copa do Mundo e acusam regime de enviar espiões
O técnico Carlos Queiroz bateu boca com jornalistas ingleses. E os jornalistas iranianos aproveitaram uma entrevista coletiva dos EUA, contra quem jogaram na última partida fase de grupos, para enviar recados ao país a quem consideram um inimigo político. Felizmente, também houve cenas bonitas na arquibancada, com torcedores americanos e iranianos celebrando o futebol. Em campo, os EUA devolveram a derrota de 1998 e venceram por 1 a 0.
Torcedores do Irã e dos Estados Unidos juntos na arquibancada do Al Thumama — Foto: Mohamed Messara/EFE
Torcedor invade o campo com bandeira LGBTQIA+ em Portugal x Uruguai — Foto: Laurence Griffiths/Getty Images
Neymar, do Brasil, mostra tornozelo inchado após partida contra a Sérvia — Foto: REUTERS/Molly Darlington
Manuel Neuer e Jamal Musiala Alemanha x Costa Rica — Foto: Wolfgang Rattay / Reuters
5 - Na Copa da Tecnologia, o papel funcionou melhor
Começou no segundo dia da Copa, no jogo entre Inglaterra e Irã. Centenas, talvez milhares de torcedores acordaram naquele dia com uma surpresa desagradável: o aplicativo da Fifa que substituiu os ingressos de papel apresentou um problema e não exibia mais o código que permitiam a entrada no estádio. Depois de filas intermináveis, alguns torcedores – como este brasileiro aqui – tiveram seu problema resolvido à moda antiga, com marcações a caneta feitas num ingresso de papel. O problema voltou a ocorrer em mais alguns jogos até ser finalmente resolvido.
6 - Públicos fictícios?
Antes do início da Copa, a Fifa divulgou a capacidade de cada estádio com números arredondados: 80 mil no Lusail, 60 mil no Al Bayt, 40 mil nos outros seis estádios. A bola começou a jogar, e os públicos exibidos nos telões desses estádios com muita frequência eram superiores à capacidade divulgada. Pedimos uma explicação à Fifa, que nos respondeu o seguinte:
– A capacidade final de público durante um evento é confirmada depois que todos os detalhes operacionais são resolvidos. Estes são os números finais para esta competição:
Ahmad Bin Ali: 45.032
Al Bayt: 68.895
Al Janoub: 44.325
Al Thumama: 44.400
Cidade da Educação: 44.667
Estádio 974: 44.089
Internacional Khalifa: 45.857
Lusail: 88.966
Tudo certo. Mas o público divulgado no telão do Estádio Lusail no jogo entre Portugal e Uruguai foi 88.968. Duas pessoas a mais do que a capacidade total. E a torcida do Catar abandonou o jogo de abertura no intervalo, quando o Equador já vencia por 1 a 0.
7 - Multas, muitas multas
O Código Disciplinar da Fifa tem 56 páginas e dezenas de artigos. Praticamente todos os dias desde o início da Copa do Mundo, ficamos sabendo que algum desses artigos foi desrespeitado. A maneira encontrada pela Fifa de punir os infratores é com multas. E assim a seleção de Senegal foi multada por não enviar jogadores para uma entrevista obrigatória. Ou que a Sérvia foi multada por pendurar em seu vestiário uma bandeira com uma provocação ao Kosovo (lembra da carta do Infantino?). Ou que o México foi multado porque seus torcedores soltaram o tão famoso quanto insuportável grito de "puuuutooo" nos tiros de meta.
8 - Invasão de campo? Também teve
Duas, na verdade. No jogo entre Portugal e Uruguai, o italiano que invadiu o campo aproveitou a ocasião para divulgar não uma, mas várias causas. Na frente da camiseta que usava, uma mensagem de apoio à Ucrânia. Nas costas, apoio às mulheres do Irã. Nas mãos, uma bandeira do arco-íris. O italiano Mario Ferri, deu seu show, foi detido por alguns minutos e então finalmente liberado. As autoridades do Catar não gostaram de saber que ele tinha ingressos para outros jogos da Copa e o baniu do evento.
No dia seguinte, durante o jogo Tunísia e França, um torcedor tunisiano invadiu o campo gramado portando uma bandeira da Palestina – aliás, um artefato muito presente nesta Copa, a bandeira da Palestina – e uma camiseta com os dizeres "Tunísia, seu tempo é agora". Ele também foi detido.
9 - Sobraram lesões
As últimas semanas antes do início da Copa foram tensas. Diogo Jota. Marco Reus, Paul Pogba, Phillipe Coutinho. Quanto mais perto do Mundial, mais estrelas se machucavam e se afastavam do torneio. Alguns deles chegaram a vir para o Catar, para então constatarem lesões graves. Karim Benzema, Sadio Mané, Christopher Nkunku. Quando a bola finalmente começou a rolar, as lesões não pararam. Neymar. Danilo. Pulisic. A Copa do Mundo não perdoa.
10 - E futebol?
A fase de grupos ofereceu de tudo para quem gosta de futebol. Cristiano Ronaldo e Messi marcaram e classificaram Portugal e Argentina às oitavas, a seleção brasileira não decepcionou e Richarlison fez o gol mais bonito da Copa. Bélgica e Dinamarca, sobre quem se depositava tanta expectativa caíram ante rivais mais fracos (na teoria...) e nem sequer saíram da fase de grupos. A Alemanha conseguiu ficar em terceiro num grupo com Espanha, Costa Rica e Japão – repetiu o vexame de 2018, quando caiu na primeira fase. O melhor ainda está por vir.
https://ge.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2022/12/03/copa-dos-protestos-selecoes-e-torcida-desafiam-poder-da-fifa-no-mundial-mais-polemico-da-historia.ghtml
Comentários