EXEMPLO NO TRABALHO: Perseverança levou a encontrar ocupação desejada
Aos 42 anos, Elíria Gross diz acreditar que ainda está longe de parar na trajetória profissional
Na época em que vendia produtos de beleza de porta em porta, a fortalezense Elíria Gross, então com 27 anos não imaginava que ainda estava por descobrir uma vocação que acompanharia sua trajetória profissional por mais de uma década e se tornaria uma profissional cuja atuação e perseverança hoje servem de exemplo para homens e mulheres que atuam na indústria.
Entre1996 e 2000, Elíria morava em São Paulo com os cinco filhos e o marido, Jean Fábio, que foi morto após uma tentativa de assalto. Sem ter como sustentar os filhos sozinha, a vendedora voltou a Fortaleza, onde passou a morar na casa da mãe. Era preciso, porém, conseguir o quanto antes um novo emprego.
A primeira ocupação que encontrou foi a de motorista de caminhão, realizando fretes de itens como peixes e materiais de pesca. A vaga foi encontrada "por acaso", quando um motorista que fazia o serviço adoeceu e precisou ser substituído.
Nesse período, surgiram os primeiros obstáculos que enfrentaria ao tentar exercer atividades em que homens predominavam. "Quando eu entrava numa loja de autopeças, por exemplo, já me olhavam estranho. Tinha gente que achava que eu não sabia dirigir", relata.
Gosto por máquinas
Mesmo com os inconvenientes da nova profissão, a motorista descobriu em si mesma "um gosto por máquinas" que ainda não tinha despertado. Esse novo sentimento alimentou dentro de Elíria a ideia de fazer um curso de operador de empilhadeira.
Única mulher no curso, destacou-se pela habilidade e empenho durante as aulas. Isso não evitou, todavia, o preconceito que sofreria nos meses seguintes, enquanto tentava atuar na área que havia escolhido. Sempre que ia a seleções, conta, era orientada pelos próprios gerentes - não interessados em contratar uma mulher - a procurar vagas em funções como recepcionista ou auxiliar de escritório.
Não fosse a determinação em atuar no campo almejado, possivelmente teria desistido, sobretudo após episódios em que o preconceito era descarado. "Teve um dia que fui procurar emprego e o encarregado de contratar o pessoal me tratou muito mal. Ele disse que lá não tinha banheiro para mulher. E me perguntou como é que seria no dia que eu menstruasse, perguntou como seria quando eu tivesse de TPM", recorda.
Apesar da vontade de trabalhar com máquinas, Elíria tinha outro motivo para ser tão insistente. Com os cinco filhos ainda crianças, sabia que precisava conseguir um emprego melhor, que lhes garantisse melhores condições. Essa mesma responsabilidade foi também o principal motor a alimentar sua obstinação diante dos desafios. Era pensando sobretudo nos filhos que ela ia de empresa em a empresa buscando oportunidades. "Eu sabia que, para eles estarem bem, eu precisava também estar bem", afirma.
Alguns meses depois, conseguiu a vaga para uma empresa do ramo de cimento, onde passou a trabalhar como operadora de empilhadeira, tendo voltado a São Paulo para realizar um treinamento através da empresa. "Às vezes, eu deixava até de almoçar pra aprender mais coisas. Treinava durante o intervalo também", contou.
Embora a nova conquista tenha representado uma melhora na qualidade de vida, logo percebeu que queria posições melhores, principalmente porque precisava complementar a renda obtida no emprego com atividades paralelas.
Todavia, se, diante do preconceito nos anos anteriores e da dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, Elíria pagou um preço pela alto pela obstinação, também foi recompensada. Em 2011, foi contratada pela companhia Energia Pecém, em São Gonçalo do Amarante. Hoje, Elíria é uma das poucas pessoas no País - e possivelmente a única mulher - a operar um equipamento chamado stacker reclaimer, utilizado para transportar carvão e outros materiais.
Ela diz lamentar o fato de que, embora as mulheres hoje tenham condições melhores no mercado de trabalho, ainda enfrentam diversos obstáculos, sendo a remuneração desigual um dos principais.
Embora hoje exerça uma ocupação invejável tanto para homens como para mulheres, Elíria, aos 42 anos, diz acreditar que ainda está longe de parar na trajetória profissional. Atualmente, está estudando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para poder estudar engenharia. "Às vezes, eu sinto que agora é que estou começando", afirma. (JM)
Construção civil tem atraído cada vez mais trabalhadoras
Se a perspectiva de trabalhar na construção civil soa estranha para grande parte das mulheres, a ideia sempre foi encarada com naturalidade pela auxiliar de serviços gerais e servente Marlúcia da Silva, que começou a atuar no setor aos 13 anos, por influência da tia e da mãe, que já exerciam a mesma função. A primeira obra de que participou, recorda, foi no Fórum Clóvis Beviláqua, quando era uma das 20 mulheres que participaram do serviço.
À época, em 1996, conta, já havia um número significativo de mulheres no setor, mas bem inferior ao hoje observado. Agora, você consegue vencer o preconceito em obras. Nem todas as obras aceitavam mulheres. Hoje, acho que as mulheres têm muito mais espaço e podem aprender muito mais coisas", afirma, referindo-se às diversas atividades hoje desempenhadas pelas trabalhadoras, como emassamento, pintura e carpintaria.
Atrativo
Além da diversidade de atividades, Marlúcia cita o fato de o emprego na construção ter um horário definido e limitado aos dias de semana como uma das vantagens do setor. Foi esse fator que também atraiu auxiliar de serviços gerais Elenir Mota, que até um ano atrás atuava no setor de serviços. "Eu trabalhava em buffett. Até que enjoei", conta, acrescentando que hoje tem a intenção de permanecer na construção pelos próximos anos, durante os quais pretende continuar se aperfeiçoando.
Para Elenir, o número de mulheres que atuam na área de pintura - um dos campos em que também pretende atuar - ainda é pouco. "Eu quero continuar (na construção). De comida eu não quero saber mais", brinca. Para a servente Eliete de Sousa, colega de trabalho de Marlúcia e Elenir, as mulheres, em geral, são mais atenciosas do que os homens durante as atividades, se destacando, por exemplo, na parte de acabamento e limpeza. "Elas têm mais cuidado, reparam mais nos detalhes ", fala.
A opinião é corroborada pela vice-presidente de sustentabilidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), Paula Frota. Segundo ela, as mulheres representam uma "mão de obra mais refinada". "Elas dão um contraponto bem interessante durante o trabalho", aponta.
Paula destaca que o sindicato tem buscado capacitar, a cada ano, mais mulheres para participar da construção civil. Ela conta que, por meio de projetos da própria entidade, o setor tem absorvido trabalhadoras que antes se dedicavam a informalidade, em empregos precários. "E isso tem sido uma experiência bastante positiva", afirma.
Conforme o supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Reginaldo Aguiar, uma das dificuldades das mulheres no setor tem sido conseguir se manter na profissão após terem filhos, por conta da dificuldade para pagar ou encontrar creches. Para a vice-presidente do Sinduscon, a tendência para os próximos anos, é que, com o aumento do número de mulheres na construção, também sejam ampliados os benefícios a elas destinadas, como o auxílio-creche. (JM)
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