Estado quer \'ressuscitar\' usina de etanol no Cariri

ATÉ R$ 35 MI EM INVESTIMENTOS

A Usina Manoel Costa Filho, localizada em Barbalha, está desativada desde 2004. Na década de 1990, chegava a empregar 1.600 trabalhadores na produção

Compra e decisão de reativar a produção vai na contra mão do cenário desfavorável que se desenha no País

Em meio a um cenário evidentemente desfavorável para o setor sucroalcooleiro, em que empresas fecham suas unidades produtoras a cada ano, o Ceará busca reativar uma antiga fábrica de etanol localizada no Cariri. Adquirida no ano passado pelo governo estadual, que pretendia aportar investimentos para por novamente em operação o empreendimento, a usina está agora à venda e só deverá voltar a funcionar se houver interesse de algum investidor privado.

A Usina Manoel Costa Filho, localizada em Barbalha, está desativada desde 2004. Na década de 1990, chegava a empregar 1.600 trabalhadores e hoje precisa de algo entre R$ 25 milhões e R$ 35 milhões para que seja recuperada. Em leilão promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT/CE), em junho do ano passado, o Estado comprou a unidade ao valor de R$ 15,48 milhões, mas já definiu que não irá mais reativá-la com recursos próprios.

"Houve uma decisão do governo de que a restauração da usina fique a cargo do empresário que a assuma. Ainda não está definido todo o processo, mas o governo ou vende para a empresa ou participa de uma sociedade, com o valor que já foi investido na compra da usina", explica o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado (Adece), Roberto Smith.

Smith já afirmou que a Adece recebeu sinalizações de empresários interessados no empreendimento, entre eles, dois americanos. Hoje, os Estados Unidos são o maior produtor de etanol do mundo, produzindo o combustível, mas por meio do milho.

Apesar destas possibilidades, consultores e lideranças do setor têm pouca crença de que um projeto de nova usina ou reativação de uma antiga possa vingar na realidade hoje enfrentada pela atividade.

"No contexto atual, não há rentabilidade que justifique a construção de novas usinas", considerou, no fim do ano passado, a presidente da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), Elizabeth Farina. A justificativa para a afirmação pessimista é a queda das receitas das empresas do setor devido às fortes dívidas das usinas de açúcar.

Falta retorno

O posicionamento de Farina é reforçado pelo diretor do Itaú BBA, Alexandre Figliolino, consultor na área. "Não há retorno para este tipo de investimento", sentencia. Segundo ele, os gastos são altíssimos para a instalação de uma nova usina, ou reativação de uma antiga. Isso porque, além dos recursos a serem aportados nas obras da unidade fabril, existe uma série de outros gastos envolvidos.

"Para isso, é preciso investir em infraestrutura, fazer estradas para a logística do açúcar e etanol, levando da lavoura à usina e desta ao mercado consumidor. Sem contar em adaptações às legislaturas ambientais e trabalhistas, que envolvem muitos gastos. Além disso, o setor carece de mão de obra", esclarece.

Ele reforça que o Ceará não é um produtor tradicional e o clima não está adaptado às variedades de cana hoje utilizadas. "Para isso, é preciso desenvolver uma variedade específica. Se já é muito difícil, nas condições atuais, investir em uma nova usina no Centro-Sul, que é a maior região produtora do mundo, imagine para regiões que não são as mais adequadas para a atividade", comenta.

Mas, o consultor pondera que é compreensível o interesse público em investir nesse tipo de empreendimento. "Este é um setor muito empregador, o que explica o esforço". (SS) 

Dívidas atingem 1/3 das usinas

Principal área sucroalcooleira do mundo e fornecedora da quase totalidade do etanol consumido no Ceará, a região Centro-Sul encontra-se com pelo menos um terço de suas usinas endividadas. O valor da dívida, segundo aponta o diretor do Itaú BBA, Alexandre Figliolino, varia entre R$ 65 bilhões e R$ 70 bilhões, o equivalente ao faturamento de toda uma safra. Como resultado disso, o setor enfrenta o fechamento de fábricas.

De acordo com ele, as dívidas variam bastante de caso para caso. "Hoje, a cifra de R$ 120 de dívida por tonelada de cana moída é um divisor de águas entre o saudável e o não saudável. Há as que possuem dívidas de até R$ 70 por tonelada, ainda visto como um valor baixo. Entre esse valor e R$ 120, é considerado médio e, acima disso, alto. A maior parte das usinas está com dívidas médias", explica.

Empréstimos

As dívidas foram contraídas especialmente entre 2006 e 2008, período em que o setor vivenciava sua fase áurea no Brasil. Com isso, as empresas tomaram empréstimos para ampliação dos negócios e modernização das fábricas. Mas, profundamente afetadas com a crise internacional, que se iniciou em 2008, não puderam honrar com as dívidas.

Conforme dados da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), da safra 2010/2011 até a de 2013/2014, 44 unidades fabris já foram fechadas. Para a próxima, que se iniciará em dois meses, já há uma estimativa de que mais nove sigam o mesmo caminho. Outros 40 grupos estão em recuperação judicial.

A falta de perspectiva tem atingido até as gigantes do setor, como é o caso da Odebrecht Agroindustrial, terceiro maior grupo do país. O presidente do grupo, Luiz de Mendonça, informou recentemente à imprensa nacional que não descarta fechar unidades nos próximos dois anos, caso os humores da atividade não melhorem.

"Tem muita gente operando no prejuízo ou com uma margem de lucro mínima", conta Figliolino. O diretor do BBA aponta que o custo do etanol hidratado no Centro-Sul está a R$ 1,16 ou R$ 1,17 por litro, valor é considerado extremamente elevado, principalmente se levada em consideração a estagnação dos preços da gasolina. Em 2005, por exemplo, esse custo ele estava em R$ 0,50, um acréscimo de 134% no período. (SS)