Fiéis celebram em Juazeiro 100 anos da morte da beata Maria de Araújo
MÍSTICA RELIGIOSA
Restos mortais jamais foram encontrados e o estilo da vida religiosa também foi alvo de perseguições
Juazeiro do Norte. A mulher sem túmulo que protagonizou um dos momentos mais polêmicos da história da religiosidade do Nordeste completa 100 anos de desaparecida. Os restos mortais da beata Maria de Araújo sumiram da sepultura, na Capela do Socorro. O "milagre do sangramento da hóstia" até hoje se configura como o grande mistério. Para marcar esse momento, foi aberta esta semana programação alusiva.
No dia 17, data do seu falecimento foi descerrada placa alusiva aos 100 anos, no cemitério do Socorro, em Juazeiro do Norte . Também foi feito o trajeto da casa da beata, no centro da cidade, da Rua Padre Cícero até a capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
O evento é um dos poucos que podem homenagear uma das mulheres que mais influenciou o processo, que levou ao julgamento do Padre Cícero, para o seu afastamento de ordens, em virtude da igreja Católica não reconhecer o milagre. O sacerdote jamais negou os fatos extraordinários. Chegaram a ser classificados de embuste e a religiosa viveu no ostracismo depois da divulgação dos sangramentos da hóstia. Ainda hoje, existem relíquias marcantes sobre as ocorrências, como os paninhos que absorveram o sangue. Um deles, segundo o presidente da Fundação Memorial Padre Cícero, se encontra aos cuidados da administração da Basílica de Nossa Senhora das Dores.
Perto de completar 90 anos, o escritor e jornalista, Geraldo Menezes Barbosa, lembra dos últimos momentos da religiosa. Ao final de sua vida, a mulher negra, pobre, costureira, beata, ficava em sua casa nas proximidades de onde é hoje o consultório de Geraldo Barbosa, que também é odontólogo, no final da rua Padre Cícero, no Centro de Juazeiro, antiga rua do Arame. Para ele, a história da beata foi interrompida, ficou envolta ao grande mistério. "Continuou sendo cuidada pelos sobrinhos, e recebia a visita do Padre Cícero. Rezava e se penitenciava pelos vivos e os mortos", afirma. Doença
Maria de Araújo passou a ter sérios problemas intestinais e na época levantou-se a suspeita de que teria sido envenenada. Morreu em 1913, às vésperas da sedição de Juazeiro do Norte, em 1914. A vida da beata passou a ser estudada em maior profundidade, décadas depois de sua morte. Maria de Araújo foi protagonista do milagre do sangramento da hóstia ofertada pelo Padre Cícero, em 6 de março de 1889.
Geraldo Barbosa afirma que esse é um momento em que Juazeiro deve render homenagens a uma das grandes personagens da história da cidade. Ele é autor do livro Relíquia - o Mistério do Sangue da Hóstia em Juazeiro do Norte.
Na época, uma multidão de fiéis, liderada pelo padre Francisco Monteiro saiu do Crato em direção a Juazeiro, abençoada por Padre Cícero Romão Batista, mentor espiritual da Beata Maria de Araújo.
Fenômeno
O fenômeno do sangramento da hóstia aconteceram por dois anos. A partir de 1892, por ordem de Dom Joaquim, o bispo da época, a religiosa ficou segregada dentro de sua própria casa, sem poder receber visitas. Era também, segundo Geraldo Barbosa, proibida de falar sobre as suas visões e estigmas. Passou por julgamentos, exames de cientistas, e não deixou de negar as suas convicções em relação ao sangue que expelia de sua boca, se algo sobre natural. Ela dizia conversar com Jesus.
Após os primeiros momentos do ´milagre´ propalado para todo o Nordeste, a beata foi levada para a Casa de Caridade do Crato, onde passou por vários inquéritos, e chegou a levar, num dos interrogatórios, conforme Geraldo Barbosa, feito pelo padre Alexandrino de Alencar, 12 pancadas de palmatória.
Ao longo do tempo, o fervor religioso se intensificou, ao mesmo tempo que toda a história envolvendo Maria de Araújo passou a despertar maior interesse intelectual pela comunidade acadêmica além de Juazeiro (E.S)
Reverência religiosa tornou-se mais intensa a partir de 2005
Juazeiro do Norte. Mais de 30 anos dedicados à pesquisa, tendo como foco a beata, Maria do Carmo Pagan Forti, escreveu o livro Maria do Juazeiro, a Beata do Milagre, que desmistificou muitos pontos relacionados ao assunto, e os revelou ao público, pela primeira vez, durante o I Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero, em meados dos anos 1980, o debate sobre a religiosa caririense.
Afora relatos de cordéis e fotografias recolhidos nos 100 anos , não há nada praticamente sobre a beata nos acervos relacionados à trajetória espiritual
Segundo a pesquisadora, se fala da beata como mística, uma pessoa que tem uma forte relação do Deus e até pessoal. Para ela, a religiosa apresentava essa condição e foi dessa forma que o Padre Cícero a conheceu. "Ele percebeu isso, e quando ela fez a primeira comunhão, chegou a sugerir que ela fizesse uma consagração a Jesus Cristo, de uma forma mais íntima, se tornando esposa", explica.
Mas hoje, Maria do Carmo afirma que tem um olhar novo a respeito dessa realidade, ao dizer da vida mística, quando ela é intensa. "Os sintomas acabam aparecendo, como as visões com Jesus Cristo e Nossa Senhora, que ela tinha, e os estigmas da paixão de Cristo", destaca. Com a abertura dos arquivos da Diocese do Crato, cartas mostram que a beata chegava a fazer meditações com os religiosos na Paixão de Cristo. "Eles iam procurá-la", acrescenta.
Os religiosos mais próximos da beata não se surpreenderam com os fatos extraordinários, por já faziam parte desse conjunto místico, conforme relata a escritora. "Não só o Padre Cícero, mas outros padre e beatas", diz. Ela acrescenta, ainda, que não é à toa que o Jesus escolheu a beata como instrumento de um milagre. "Ela tinha durante a sua vida, uma relação intensa com Deus", frisa. Hoje, a pesquisadora diz que muito já se avançou e há uma presença mais forte do que há 30 anos, desde que começou a estudá-la. "Antes não aparecia em lugar nenhum, e seu nome está nas Cebs, nos ranchos de romeiros", ressalta.
Num dos espaços de salvaguarda, o Memorial Padre Cícero, há alguns objetos que pertenceram ao sacerdote, mas praticamente nada existe sobre a beata. A programação relativa ao centenário de morte da beata Maria de Araújo segue até o próximo dia 21, e está sendo realizada por meio da Secretaria de Cultura e Romaria de Juazeiro do Norte. O evento será encerrado na próxima terça-feira, com apresentações musicais, exposições, feiras de artesanato, e espaço de debates, com o tríduo, no Circulo Operário São José, ao lado da Basílica, em Juazeiro do Norte.
O IV Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero acontecerá em setembro deste ano, com o tema "E...onde está ele?". No evento, será inserido nos debates, segundo os organizadores, o centenário da morte da beata Maria de Araújo. Apesar de toda a reverência na região ao longo do tempo, a imagem da beata chegou a entrar na Basílica de Nossa Senhora das Dores, em Juazeiro, quando houve uma solenidade de coração de Nossa Senhora das Dores, apenas em no ano de 2005.
Ao mesmo tempo, a mulher sem túmulo é pauta frequente dos artistas de Juazeiro do Norte. Durante o ano passado, foram espalhados vários cartazes na cidade, com o nome ´procura-se´.
Histórico
A imagem de uma mulher com a boca ensanguentada não deixava dúvidas de que o sumiço dos restos mortais ainda incomoda. O corpo da religiosa chegou a ser sepultado em um túmulo branco, do lado direito, após a entrada na Capela do Socorro. O Túmulo do Padre Cícero, está no centro, no pé do altar. Conforme Geraldo Barbosa as visitas não cessavam. Passou a ser um local de visitação constante. Com o movimento, o bispo mandou fechar a igreja, conforme o escritor.
Na reabertura do local, veio a grande surpresa: o túmulo fora violado. "Do lado de fora foi encontrado um escapulário, pedaço de cabelo e restos de pano, das vestes da beata", afirma Geraldo Barbosa. Para o escritor, Padre Cícero aceitou piedosamente a missão dele. Além disso, diz ele, o sacerdote teria recebido a presença de Jesus, para confirmar que Maria de Araújo veio para trazer a fortaleza da religião cristã para Juazeiro do Norte. (E.S)
Uma das imagens emblemáticas da religiosa se encontra no Museu do Padre Cícero, onde uma representação artística dela está ao lado do sacerdote, revelando a trajetória mística foto: elizângela santos
Mais informações:
Memorial Padre Cícero
Praça do Cinquentenário
Juazeiro do Norte
Ceará
Telefone (88) 3511 4040
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