DESINIBIDA: Mariana Ximenes vive vedete em "Jóia rara"

Mariana Ximenes diz que precisa estar inteira e ser muito disciplinada para gravar as ousadas cenas da vedete Aurora em "Joia rara": "No palco é energia mesmo, tenho que fazer de forma visceral"

Pouco antes de começar a gravar "Joia rara", Mariana Ximenes saiu de circulação. Hospedada num sítio na Serra da Bocaina, na divisa entre Rio e São Paulo, a atriz passou uma semana sem sinal de celular ou internet. Ali, conectada apenas à natureza, começou um "processo de autoconhecimento".

Mariana foi até Paris pesquisar os cabarés para viver a vedete da trama das 18h

"Já fui muito pilhada e agora estou desacelerando. Foi um entendimento, uma busca por mais tempo, serenidade. O que reverte estar inteira no lugar que você está", analisa e completa: "Então estou aqui com você, olhando no seu olho, não pensando em quem me ligou, não pensando na gravação que vem depois. Estou presente. Talvez seja resultado da chegada da idade, uma visão sem ansiedade".

Não que Mariana, de 32 anos, não tenha se entregado "com paixão" aos outros trabalhos que fez, ela frisa. Mas essa inteireza que vem buscando tem refletido diretamente no atual papel, o da vedete Aurora Lincoln na trama das 18h.

Grande estrela do Cabaré Pacheco Leão, o point da época na novela de Thelma Guedes e Duca Rachid, a artista chegou da França mostrando por que faz tanto sucesso. Ousada, protagoniza os espetáculos mais audaciosos da casa. Em seu début, apresentou "Fever", em inglês, com direito a balanço, dança em cima da mesa, banho de taças de champagne e labaredas no palco. Em plenos anos 1940.

E para que o número soe imponente do lado de cá das câmeras, o trabalho nos bastidores é extenso. E envolve muita gente. "Este trabalho, especificamente, a gente não consegue fazer separadamente, sabe?", explica ela, que, num primeiro momento, se reuniu com os "cabeças" do figurino, caracterização, cenografia, fotografia, produção de arte, efeitos especiais e também com o professor de dança Antônio Negreiros, responsável pelos ensaios com todas as moças do cabaré. Tudo orquestrado pela diretora-geral, Amora Mautner.

Ensaios

"Foi muito prazeroso porque parecia uma reunião de teatro. Porque é o tipo de coisa que se todos os setores não estiverem em harmonia, o resultado não acontece. Tínhamos que afinar os momentos da coreografia com a luz e aí a gente inventou de colocar fogo no cenário... Tenho convicção de que foi uma criação coletiva", torce.

A atriz, com o figurino da vedete da novela "Joia rara": suas roupas chegam a pesar 15 quilos e são feitas com a sua modelagem/ No papel de vedete, Mariana canta em inglês e francês

O papel em "Joia rara" marca várias estreias na vida da atriz: é a primeira vez que ela dança e canta - em francês e em inglês, diga-se de passagem - em cena. Também nunca havia entrado em uma trama já em andamento. Para imergir no universo burlesco de Aurora, Mariana explica que se cercou de todas as referências possíveis. Aproveitou a divulgação do longa "Os penetras", em Portugal, em junho deste ano, e deu um pulinho rápido até Paris.

Referências

Acompanhada de uma amiga, a estilista Gilda Midani, assistiu a todos os shows que pode: desde os badalados como Moulin Rouge, Lido e Crazy Horse aos menos famosos, que achou percorrendo as vielas francesas. Na pesquisa, deparou-se com um mercado de pulgas, onde achou joias, roupas e objetos antigos. Diante das, voltou para casa com um verdadeiro acervo nas malas.

Após a concepção teórica das ideias, pairaram, na cabeça da atriz, várias perguntas: "Será que vou conseguir?", "Será que é isso?", "Será que fizemos as opções corretas?". Mas aí, Mariana garante, entra a confiança que deposita na diretora Amora Mautner.

As duas se conhecem há anos, desde o teste que a atriz fez para a novela "Andando nas nuvens", de 1999. No instante em que se viram, a empatia foi imediata. No entanto, os caminhos profissionais das duas nunca mais haviam se cruzado. Até agora. "Nossa relação profissional estava numa pausa, mas nossa amizade, não. Por isso essa novela é tão simbólica. É uma celebração da minha admiração por ela", desmancha-se.

O convite para a novela das 18h foi feito pela própria diretora que, segundo Mariana, sabe que ela adora estudar. E com tantas possibilidades para Aurora, Mariana, de fato, caprichou. Apegou-se tanto ao francês, que passou a fazer aulas por conta própria. Com relação à dança, já havia feito balé clássico e dança contemporânea, mas nada que se compare "à bênção de ter conhecido Antônio Negreiros".

"A gente passava o dia inteiro ensaiando, pensando, e o Antônio é de uma cultura absurda. Conversar com ele é uma delícia, e dançar melhor ainda porque ele coloca a cultura na dança", elogia a atriz, que, ao lado do professor, buscou referências em célebres dançarinos e coreógrafos como Fred Astaire e Jack Cole.

Além disso, toda essa movimentação corporal surtiu em Mariana um efeito semelhante ao de cura. Algo "revelador". "Você estar com a mente e o corpo em exercício cura qualquer tristeza, qualquer cansaço. Foi algo muito curioso, não desgrudo mais do Antônio", brinca ela, contando que complementa a atividade com análise e meditação.

A disciplina é bastante elogiada por Negreiros: "Ela tem essa característica, que é da bailarina. É do tipo que busca sempre trazer mais do que foi pedido. É bom trabalhar com gente assim, quando você recebe e traz de volta".

E é a mesma energia que Mariana leva para o Projac. Nos dias em que precisa gravar cenas de show, a atriz gosta de chegar aos estúdios bem mais cedo para estar inteira. E concentrada. "Chego antes, aqueço o corpo. Desligo o celular e até paro de falar, não faço mais nada", reiteira ela, que demora bons minutos para se maquiar, ajeitar o cabelo e vestir o figurino, feito com sua modelagem pelo designer Paulo Rocha, em seu ateliê.

A roupa preta com a qual apareceu cantando "Fever" pesa cerca de 15 quilos, tem mais de cinco mil cristais Svarowski colados e é adornada com 500 metros de correntes prateadas pintadas de preto.

Mas, equilibrada no salto e metida no modelito, Mariana ignora o frio do ar-condicionado e a presença das pessoas em volta, e se transforma instantaneamente em Aurora. Segundo ela, toda essa desinibição é resultado da tal disciplina, que tanto preza.

"Eu sou disciplinada para justamente chegar na hora e ter a minha ousadia, deixar a magia do momento me contagiar", ensina. Mariana diz que, se um ator pensar demais em cena, não reage com naturalidade. E, no caso de Aurora, o fator surpresa é intrínseco à ousadia que leva para o palco.

"No palco, você tem que fazer visceralmente. Não dá para ter pudor. A Aurora subverte, arrisca, ousa, surpreende. E essa pitada a mais só acontece se estou completamente entregue", avalia.

NATALIA CASTRO
AGÊNCIA O GLOBO