Alternativas para conviver no semiárido

SECA E DESERTIFICAÇÃO

Sobral. Após o levantamento de dados sobre as perdas com a desertificação, a I Conferência Científica da Iniciativa Latinoamericana e Caribenha de Ciência e Tecnologia (Ilacct) trouxe ontem, no seu último dia de programação, as experiências exitosas de convivência com o semiárido. Destaques para as experiências no Nordeste e Ceará.

José Arthur Padilha, sobre uma parede de pedras feita em sua fazenda, da barragem subterrânea que serve para barrar água de chuva. FOTO: CID BARBOSA

Na manhã de ontem, um dos últimos debates da convenção foi sobre experiências de êxito nas alternativas de convivência com as terras secas. Dentre os cinco projetos apresentados, quatro foram de brasileiros, e dois de cearenses.

O projeto do padre sobralense João Batista Frota, o Cabra Nossa de Cada Dia, foi um dos que tiveram representação na mesa. O projeto de convivência com o semiárido é baseado na criação de caprinos por famílias em situações de risco. As cabras foram escolhidas por ser um animal de pequeno porte, fácil alimentação e criação e boa adaptação ao clima semiárido do Nordeste, muito ativos e dóceis. Hoje, 17 comunidades são atendidas com 215 famílias participantes do programa em Sobral, na zona rural. Nestes 20 anos, o saldo é mais que positivo: 600 famílias passaram pelo projeto, quase 1000 crianças de zero a 10 anos foram atendidas e cerca de 5.000 animais distribuídos.

A presidente da Associação Jatobá, Emília Pereira Sampaio, também representou o Estado com o Projeto Mata Branca, de Crateús. Emília explicou os métodos de implantação de quintais produtivos na Comunidade de Jatobá, a 23km da sede. "Temos como base a gestão sustentável do bioma caatinga melhorando a qualidade de vida da população. Além de quintais produtivos, temos também coleta seletiva e ações de conscientização".

Lá, 62 famílias de pequenos produtores sobrevivem principalmente da agricultura de sequeiro, como milho e feijão, e pecuária. "Como resultado, tivemos um aumento no nível da consciência comunitária, aumento da produção familiar da qualidade de alimentação".

Base Zero

Também foi apresentado o Conceito Base Zero, do engenheiro mecânico José Artur Padilha. O Base Zero foi formulado a partir do conhecimento de que o mesmo potencial destrutivo da natureza possui igual força como potencial produtivo. "A mesma intensidade usada na natureza para destruir, pode ser usada para construir. Só para se ter ideia do potencial energético da natureza, a maior queda d´água da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) é de 87 metros. A chuva mais baixa é de pelo menos dois mil metros", comparou o engenheiro.

O conceito é resultado do trabalho de quase 40 anos no campo. A fazenda do pai de Artur fica em Afogados da Ingazeira, cidade distante 380 quilômetros de Recife. O engenheiro explica que foi por meio da observação que foi capaz de formular o que hoje é conhecido como Base Zero, fazendo com que sua propriedade se tornasse sustentável em água e ainda pudesse fornecer em baixa escala.

"A natureza sempre foi um processo produtivo, somos fruto desse processo e podemos fazer com que o uso dos recursos seja produtivo para a gente". Segundo o professor, o ideal seria diferenciar, em regiões secas, a origem do recurso hídrico. Em algumas áreas, a evaporação equivale a cinco vezes o que chove anualmente, levando as águas de reservatórios como açudes. De acordo com o professor, a água de produção, utilizada na agricultura das regiões secas, seria a proveniente das chuvas; e a água de abastecimento, já existente, seria oriunda de reservatórios subterrâneos.

Experiências de melhor uso do solo, de adaptação de economias foram apresentadas. Uma delas é o trabalho desenvolvido em uma incubadora de empreendimentos solidários da UVA, apresentada pelo professor Francisco Guedes.

"Realizamos o acompanhamento de grupos associativos, com cursos, oficinas e similares", destaca o professor, enfatizando que um problema atual é o da morte de abelhas, com consequente perdas na escala produtiva. "Além da sazonalidade do clima, há também a sazonalidade política, outra fonte de preocupações", disse ele.

Hoje são realizadas diversas ações em várias comunidades da região, como Santana do Acaraú. Os estudos mais recentes apresentados na conferência apontam que as perdas com a desertificação pode chegar a US$ 27 bilhões por ano em 11 países da América Latina.

A evasão da produção pode ser consequência de problemas como migrações e inutilização do solo. O resultado são perdas econômicas na agricultura, na pecuária, na cultura e na indústria, que fica carente de muitos insumos usados nos processos.

De acordo com estudo apresentado por Heitor Matallo, da Convenção das Nações Unidas no Combate à Desertificação (UNCCD), com base em uma Equação Universal de Perda do Solo (USLE), a estimativa é de perda de US$ 27 bilhões por ano somente em 11 países que compõem a América Latina, entre eles Brasil, Argentina e Peru. Perdas que deverão se agravar nos próximos anos, com o aumento da temperatura global.

JESSYCA RODRIGUES
COLABORADORA