QUADRILHA JUNINA: Festivais refletem o desafio do planejamento
QUADRILHAS: Brilho e esforço
Quem vê as quadrilhas juninas se apresentando nos festivais, cheias de pompa, brilho, cores e integrantes sorridentes não imagina o que acontece nos bastidores. As dificuldades de arregimentar participantes, conciliar ensaios, dar conta das apresentações, longos deslocamentos, ensaios em horários inconvenientes, tudo, enfim, que envolve a tentativa de perpetuação desse capítulo da cultura nordestina. A canção pede que não se deixe o samba morrer, o samba acabar, mas, se o morro é feito de samba, de coragem é feito o coração desse pessoal que dá o sangue para manter viva a tradição. No fim de semana passado, o Caderno 3 acompanhou a final do Ceará Junino e revela, hoje, as dores e as delícias de quem se dedica a reinventar a magia do São João
Festivais - Festa na rua, na quadra e no palco
Entre as mais fortes tradições do Nordeste, os festejos juninos mobilizam cerca de 600 quadrilhas no Ceará
Armar a grande roda, o túnel, cumprimentar as damas, preparar o galope... Difícil alguém que nunca tenha visto ou dançado sob esses comandos em quadrilhas improvisadas nas festas juninas, que a partir do dia 13 de junho, dia dedicado a Santo Antônio, pipocam nas cidades do Ceará. A tradição das quadrilhas juninas - com suas anáguas exageradas, chapéus de palha, cores e tecidos de chita, dançando ao som do xaxado e arrasta-pé no toque de sanfona, zabumba e triângulo - já há algumas décadas vem em um movimento ascendente que extrapola as ruas. Multiplicam-se grupos e os festivais de quadrilhas ganham dimensões de espetáculo.
Os números atuais impressionam. São cerca de 600 grupos juninos somente no Estado do Ceará e incontáveis festejos, desde os grandes festivais a festas organizadas nas comunidades. Somente entre as entidades que organizam o setor, estão a Confederação Brasileira de Entidades de Quadrilhas Juninas (Confebraq),a União Nordestina de Entidades Juninas (Unej), atuando respectivamente nos planos nacional e regional, e, diretamente no Ceará, a Federação de Quadrilhas Juninas do Ceará (Fequajuce) e Federação de Eventos Juninos do Ceará (Fejuc).
"O movimento junino é um dos mais fortes organizados no Estado. O Ceará é um dos mais fortes em número e em nível de organização das quadrilhas. Nós ganhamos do carnaval em termos de festas que acontecem nesse período", ilustra Gilberto Rodriguez, produtor cultural e ex-brincante de quadrilha.
Há 15 anos, ele produz e apresenta o Ceará Junino, festival promovido pela Secretaria da Cultura do Estado, com 21 etapas regionais distribuídas entre Capital e Interior, e uma final no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), onde foi escolhida no domingo passada o melhor grupo do Estado, prêmio concedido à quadrilha Fulô do Sertão, de Senador Pompeu; e os prêmios de melhor casamento, melhor noivo e noiva, para os destaques da quadrilha Junina Babaçu; melhor marcador, para a Quadrilha do Gil, de Juazeiro do Norte; e melhor rainha e repertório musical, para a Cheiro de Terra.
Entre os grandes festejos estão ainda as etapas estaduais e nacional do São João do Nordeste, promovido pela Rede Globo. No Estado, o Arraiá do Ceará, em parceria com o Sistema Verdes Mares. "É uma coisa que apaixona de ver. O colorido, a alegria... Eu venho de comunidade mais pobre, do bairro Quintino Cunha, e a nossa grande diversão, o ano todo, era o movimento de festa junina. Mobilizava todo o bairro para aquela festa", lembra Gilberto.
Hoje, aos 40 anos, ele lembra dé sua entrada na festa. Desde os nove acompanha o movimento, iniciando como brincante, depois dirigente da quadrilha Jovens da Roça, e fora das quadras, na presidência da Federação de Quadrilhas do Estado do Ceará e da Unej.
"O Ceará tem sido uma referência para o Nordeste. Quase todo mundo quer nos imitar. A gente fala em ´carnavalização do movimento´, porque algumas quadrilhas são mais luxuosas, outras mantem-se mais próximas da tradição, mas a cultura não é estática. Está em movimento constante, não dá para querer que hoje seja como há 10 anos", avalia.
Organização
Símbolo da nova configuração do movimento junino, a quadrilha Ceará Junino, radicada no bairro Álvaro Weyne, possui a marca de 62 pares em quadra - o que, consequentemente, corresponde a 124 brincantes - e traz um espetáculo que inclui alegorias cênicas, fundo de cena, jogos de luz e indumentárias bem distantes do visual tradicional. O grupo venceu este ano, pela terceira vez consecutiva, o Festival de Quadrilhas Juninas de Mossoró, competição interestadual, que reúne quadrilhas de todo o Nordeste.
"Nós estamos finalizando o trabalho de 2013 e já tem um grupo trabalhando o de 2014. Já com diretor de casamento, contatando com profissionais para já fechar valores, sapateiro, costureira, produção do chapéu, arranjo, porque todos os profissionais são só nossos", ilustra o presidente da quadrilha, Roberto Sousa.
A quadrilha conta com uma sede, alugada para os meses próximos ao período junino, um caminhão para transporte de materiais e ônibus para a condução dos brincantes.
Os ensaios são abertos ao público, realizados na Escola Maria Roseli Lima Mesquita, começando no último domingo de janeiro e seguindo até o primeiro sábado de junho. No primeiro domingo do período junino, a quadrilha estreia em festa no próprio bairro. "Este ano, dançamos 20 festivais e tiramos 15 primeiros lugares. Começamos com 26 pares. Hoje, inverte o número, nós temos 62 pares. O grupo tem 150 pessoas, entre regional, produção, diretoria e quadrilha. E cada ano vai crescendo mais", reforça.
Indumentárias
Este ano, a quadrilha saiu com o tema do vaqueiro, trazendo um grupo de vaqueiros Canindé para participar da apresentação, liderados pela Mestra da Cultura Dona Dina, devidamente trajados de gibão e chapéu de couro. "Há 10 anos estou a frente da parte do tema da quadrilha. O tema quer dizer o que? Absolutamente tudo. O desenvolvimento do casamento, o figurino, a coreografia", detalha o diretor artístico, Seixas Soares.
Sem medo de ousar, ele é incisivo na defesa das inovações, seja nos passos, nos recursos visuais e nas indumentárias. "Eu acredito que isso precisa acontecer. Isso é o estímulo de todo e qualquer artista. Há 10 anos, não existia quadrilha como é hoje. Essa evolução faz parte do homem. Do homem pensante. Isso é extremamente natural. Os meus trabalhos, o meu figurino, são extremamente regionais. O figurino da Ceará Junino, se tem um brilho, ele é justificável. Ele não é um brilho a toa", argumenta.
Apesar de grande parte das quadrilhas já apresentarem traços da chamada estilização e de muitos considerarem superada a tensão entre os defensores e detratores das mudanças, para Seixas, a polêmica continua.
"Parece contraditório, mas aqui, na cidade de Fortaleza existe uma cabeça muito fechada para grandes espetáculos. Olha que no meu tema eu estou falando do Ceará, do vaqueiro, algo extremamente cearense. Mas como envolvo brilho, uma criatividade imensa em nível de coreografia, de abertura - eles querem que eu entre de uma forma que eu não acho crescente de evolução, são tradicionalistas demais - isso impede deu ganhar o cearense", disse, em entrevista momentos antes de entrar em cena.
Explosão de cores: só no Estado do Ceará existem 600 quadrilhas juninas FOTO: KLÉBER A. GONÇALVES
Indumentárias cada vez mais rebuscadas na tradição junina fotos: BRUNO GOMES/ KLEBER A. GONÇALVES
FÁBIO MARQUES
REPÓRTER
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