Por O GLOBO, com agências internacionais — Genebra e Teerã - 15/03/2025
Mulheres compram roupas íntimas no Grande Bazar em Teerã, em 3 de março de 2025 — Foto: Atta Kenare/AFP
Investigação criada pelo Conselho de Direitos Humano das Nações Unidas indica uma escalada no uso de ferramentas digitais e tecnológicas pelo governo de Teerã para vigiar e punir dissidentes
O regime teocrático iraniano ampliou o uso de tecnologias, incluindo reconhecimento facial, drones e aplicativos, para aumentar a vigilância sobre o uso do hijab, o véu muçulmano, pelas mulheres do país. A modernização das formas de vigilância usadas pelo governo de Teerã, bem como o aumento da repressão do regime a dissidências e manifestantes pela liberdade feminina, foram apontados em um relatório da ONU na sexta-feira.
As conclusões da Missão Internacional Independente de Investigação de Fatos das Nações Unidas sobre o Irã — lançada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em novembro de 2022, na esteira da repressão do governo aos protestos "Mulheres, Vida, Liberdade", que surgiram após a morte da jovem Mahsa Amini — apontaram a existência de um tipo de vigilância "patrocinado pelo Estado" com o objetivo de "sufocar a dissidência, perpetuando um clima de medo e impunidade sistemática".
O relatório reuniu evidências deque o governo iraniano fez uso de drones em Teerã e no sul do país, em abril de 2024, para monitorar se as mulheres estavam se vestindo em conformidade com as leis sobre o hijab. A integrante da missão, Shaheen Sardar Ali, apontou também para um "aumento assustador da vigilância" por meio de aplicativos e tecnologia de reconhecimento facial "de longo alcance e altamente intrusivo", com o objetivo específico de monitorar "o que uma mulher veste ou não veste".
O Irã foi abalado pela morte de Mahsa, de 22 anos. Ela foi presa por uma suposta violação da regra de vestimenta e morreu sob custódia das autoridades de segurança iranianas. O caso culminou em uma revolta generalizada, que levou a semanas de protestos e a uma repressão dura e imediata, que tinha sido apontada pela missão da ONU, em relatório anterior, como violações graves, muitas delas equivalentes a crimes de guerra. No novo relatório, a investigação observou uma ênfase em uma combinação de "silenciamento e repressão".
— A criminalização, vigilância e repressão contínua de manifestantes, famílias de vítimas e sobreviventes, em particular mulheres e meninas, é profundamente preocupante — disse Sara Hossain, presidente da missão, durante a coletiva de imprensa de sexta-feira, em Genebra.
Os investigadores disseram que até agora 10 homens foram executados no contexto dos protestos, enquanto pelo menos 11 homens e três mulheres continuam em risco de execução.
Representantes da Missão Internacional Independente de Investigação de Fatos das Nações Unidas sobre o Irã falam com a imprensa em Genebra — Foto: Fabrice Coffrini/AFP
Ferramentas digitais
O relatório será apresentado de forma oficial ao Conselho de Direitos Humanos na terça-feira, porém os detalhes revelados antecipadamente no anúncio sobre a conclusão dos trabalhos — que coletou e preservou 38 mil itens de evidência e entrevistou 285 vítimas e testemunhas ao longo de dois anos —, apontam para o uso amplo de tecnologias modernas
"O Estado alavancou ferramentas digitais para silenciar a dissidência, com a tecnologia amplificando e estendendo o seu controle para restringir a liberdade de expressão e associação, e para controlar narrativas", concluiu a missão.
Um exemplo do uso de tecnologias digitais mencionado pela investigação foi o aplicativo de mobilidade Nazer, que permite aos usuários registrarem a placa, a localização, o horário e o veículo em que uma mulher foi vista sem o hijab. Em uma atualização ao app, passou-se a permitir que sejam reportadas também irregularidades de vestimenta em "ambulâncias, transporte público ou táxis".
A missão relatou que observou o confisco de veículos de mulheres por supostas violações das leis de vestimenta. (Com AFP)
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/03/15/ira-utiliza-drones-e-reconhecimento-facial-para-monitorar-uso-do-hijab-por-mulheres-aponta-missao-da-onu.ghtml