Por Charlie Brinkhurst Cuff, Em The New York Times 16/12/2024
Adoção de métodos de depilação ainda carrega pressão social forte — Foto: Pexels
Na véspera do primeiro casamento de Rosemary Greenwood, em 1984, ela estava sentada no seu quintal, sob o sol radiante, com um espelho e pinças. Por mais de duas horas, ela arrancou os pelos do rosto.
— Não é o que a maioria das noivas faz na véspera do casamento — diz Greenwood, de 69 anos.
Ela já havia considerado conversar sobre suas dificuldades com os pelos faciais com as amigas, mas nunca teve coragem.
— Fingir que nenhuma de nós tinha esse problema era, claro, ridículo. O silêncio tornava isso vergonhoso — lembra.
Esse sentimento de vergonha é mais comum do que se imagina. Embora estudos sugiram que quase metade de todas as mulheres desenvolverá pelos faciais em algum momento da vida, fios visíveis, sejam no queixo, um bigode escuro ou sobrancelhas desordenadas que se unem no meio, não são o padrão cultural.
Continuamos a inventar novas e tecnológicas formas de removê-los: pequenas máquinas de luz intensa pulsada que prometem um rosto liso e radiante; dermaplaning com o uso de um pó em spray que torna cada fio de cabelo visível; e depiladores, que são tão dolorosos quanto eram nos anos 2000.
Embora tenhamos visto movimentos eficazes que normalizaram os pelos corporais das mulheres, os pelos faciais delas ainda permanecem quase sempre invisíveis e raramente discutidos. Estudos sugerem que mais de 80% das mulheres se sentem desconfortáveis com eles e, de acordo com uma pesquisa de 2014, três em cada quatro mulheres americanas entre 18 e 34 anos removem os pelos faciais regularmente.
Será que nossa rigidez em relação à remoção dos pelos faciais algum dia mudará?
Em um questionário do New York Times, perguntamos a leitoras sobre seu relacionamento com os pelos faciais. Quase 900 responderam.
Uma breve história
Mulheres com pelos faciais foram documentadas ao longo da História, muitas vezes de maneiras que fazem as atitudes atuais parecerem modestas. (Tome, por exemplo, Annie Jones, a mulher barbada de P.T. Barnum, que foi anunciada no circo dele como um “monstro” — um termo contra o qual Jones protestou). Como explorado no livro “Plucked: A history of hair removal” (“Arranca-do: Uma história da remoção de pelos”, em tradução livre), escrito pela professora Rebecca Her-zig, da Bates College, cientistas ocidentais no século XIX usaram os pelos faciais femininos para reforçar a noção de supremacia branca. Eles foram patologizados e associados à loucura, degene-ração e “raças inferiores”.
Trabalhos mais recentes, como “The last taboo: Women and body hair” (“O último tabu: Mulheres e pelos corporais”), editado por Karín Lesnik-Oberstein, professora do Departamento de Literatura Inglesa da Universidade de Reading, destacam as pressões que as mulheres frequentemente enfrentam para se conformar a padrões de beleza específicos em uma sociedade patriarcal. No sé-culo XX, o número de mulheres que removem pelos corporais ou faciais aumentou consideravel-mente, e hoje, segundo vários estudos, quase todas elas removem pelos em algum momento da vida.
Para o seu livro “Unshaved: Resistance and removal in women’s body hair politic” (“Sem depilação: Resistência e remoção na política do pelo corporal feminino”), Breanne Fahs, professora de Estudos de Mulheres e Gênero na Universidade Estadual do Arizona, entrevistou muitas mulheres que abraçaram seus pelos pubianos, das axilas e pernas, chamando-as de “rebeldes do pelo corporal”. Mas ela acrescentou que os pelos faciais eram o “limite do que elas podiam rebelar”.
Pelos faciais e hormônios
Os pelos faciais femininos são frequentemente associados à síndrome dos ovários policísticos (SOP), um distúrbio hormonal complexo que afeta de 8 a 12% das mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo e pode causar crescimento excessivo de pelos faciais ou corporais. Mulheres com SOP às vezes respondem à testosterona, que todas as mulheres têm, de uma forma específi-ca.
— O hormônio delas fica livre para agir de maneira descontrolada e causar crescimento excessivo de pelos — explica a endocrinologista Helena Teede, da Universidade Monash, na Austrália.
A vergonha pode não se limitar ao próprio pelo e se estender para sua remoção, seja arrancando, depilando com lâmina, cera, linha, luz pulsada, laser ou eletrólise.
— O pensamento de realmente raspar me enoja e me faz querer chorar — afirma Sheryl Martinez, de 67 anos, que também respondeu à pesquisa do NYT. — Devo ter feito cem sessões de eletróli-se nos últimos 40 anos, o que achei útil, mas longe de ser permanente. Eu agendo essas consultas sem contar para o meu marido por causa da minha vergonha.
Um custo desproporcional
Há evidências estatísticas de que mulheres americanas de determinadas raças e etnias têm mais pelos faciais. Mulheres de origem sul-asiática, hispânica, do Oriente Médio, negras e mediterrâneas tendem a desenvolver pelos faciais mais visíveis do que mulheres de outros grupos — possivelmente devido a variações hormonais, como o nível de testosterona no sangue — sem necessariamente ter um distúrbio hormonal.
Ter pelos faciais como parte de um grupo minoritário pode ser particularmente difícil durante a infância.
— Como uma menina que era uma das duas indianas em uma escola predominantemente branca, foi devastador quando os colegas riam e chamavam atenção para o meu buço. Eu já era diferente o suficiente — recorda Radhika Moolgavkar, de 48 anos.
Embora ela ainda odeie seus pelos faciais, conta que suas duas filhas, de 15 e 17 anos, estão “totalmente confortáveis” com seus próprios.
Para muitos, as dificuldades começam cedo. Elizabeth Dollhopf-Brown, 46, teve seus primeiros pelos faciais aos 12 anos.
— Foi terrível. Me chamaram de nomes horríveis no ensino médio e eu encontrava fotos no meu armário com minha imagem como se fosse um gorila conta.
O que nos reserva o futuro?
Neste século, surgiu uma mudança em relação às normas sociais a respeito dos corpos das mulheres. Houve vários movimentos, como o “Januhairy” (algo como "janeiro peludo"), que incenti-vou mulheres a deixarem crescer seus pelos corporais, incluindo os faciais, durante um mês (a conta oficial no Instagram da comunidade tem 42 mil seguidores). “Rosalie”, um filme francês de 2023 que estreou no Festival de Cinema de Cannes, apresentou como protagonista uma mulher barbada.
— Eu inventei a história de uma jovem mulher que se liberta abraçando a barba — explica a diretora do filme, Stéphanie di Gusto. Com a barba de Rosalie, eu queria reinventar a feminilidade.
Embora a professora Fahs reconheça que “as expectativas de conformidade são muito fortes”, sentir vergonha dos pelos faciais não é algo inevitável. Mulheres encontraram formas de expressão em comunidades feministas e LGBTQIAP+, onde se sentem mais à vontade para crescer e mostrar seus pelos faciais.
Essas mudanças têm sido lentas, mas estão alterando a maneira como algumas mulheres enxergam a feminilidade.
Eu passei a perceber que os pelos faciais são tão parte de ser mulher quanto de ser homem resume Minter.
https://oglobo.globo.com/saude/bem-estar/noticia/2024/12/16/buco-fios-no-queixo-e-monocelha-saiba-como-mulheres-estao-derrubando-o-tabu-dos-pelos-faciais.ghtml