Quase tudo igual. Os fuziz apreendidos na casa do CAC e exibidos em coletiva da Polícia Civil em janeiro Foto: Domingos Peixoto / Domingos Peixoto/25-01-2022
Dez meses depois de ser preso acusado de fornecer munição para a maior facção do tráfico do Rio, o colecionador de armas Vitor Furtado Rebollal Lopez já está novamente nas ruas. Em agosto passado, ele foi condenado a três anos de prisão e, duas semanas depois, teve a prisão revogada pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, que considerou a pena baixa para mantê-lo atrás das grades. O que levou à soltura tem relação direta com a política armamentista do governo federal: ao longo da investigação e do processo, Rebollal foi beneficiado pelos decretos do presidente Jair Bolsonaro (PL) que aumentaram o limite de armas e munição para caçadores, atiradores e colecionadores, os CACs, e, assim, ele conseguiu se livrar de acusações que poderiam aumentar a sua pena em pelo menos 12 anos de prisão.
A investigação que culminou na prisão de Rebollal teve como base escutas feitas com autorização da Justiça que revelaram que o colecionador usava da prerrogativa de CAC para comprar munição legalmente e, depois, repassá-la para traficantes. As ligações interceptadas mostraram que ele contava com o auxílio de sua namorada e de seu cunhado para vender os cartuchos. Em janeiro passado, a Justiça decretou a prisão do trio e expediu um mandado de busca para a casa de Rebollal.
Vitor Furtado Rebollal Lopez Foto: Reprodução / Reprodução
O colecionador e a namorada foram capturados em Goiânia (GO), quando trafegavam num carro com 11 mil cartuchos para fuzil. Já no imóvel do casal, no Grajaú, Zona Norte do Rio, um arsenal foi encontrado: 26 fuzis — 25 iguais de calibre 5,56 e um 7,62 —, 21 pistolas, dois revólveres, três carabinas, uma espingarda e um rifle. O armamento, cujo valor total estimado é de cerca de R$ 3 milhões, foi exibido durante a coletiva de imprensa sobre a prisão de Rebollal, na Cidade da Polícia, no dia seguinte à prisão.
‘Respaldada pela legislação’
No entanto, por conta das medidas tomadas pelo governo federal, nem a munição apreendida em Goiás nem o arsenal achado no Rio geraram acusações formais contra o casal na Justiça — mesmo com a suspeita de ligação do material com a maior facção do tráfico no Rio. Sobre os cartuchos encontrados no carro com Rebollal, a Polícia Civil de Goiás registrou, num relatório encaminhado à Justiça do estado, que “não há que se falar em crime, pois a conduta praticada estaria respaldada pela legislação que se aplica aos CACs.
Até 2019, contudo, Rebollal não poderia sequer adquirir munição para fuzis: antes dos decretos de Bolsonaro, alguns calibres restritos, como o 5,56 e o 7,62, não eram liberados para CACs, e a apreensão desses cartuchos com integrantes da categoria configurava crime com pena de até seis anos.
Pela legislação atual, as 54 armas achadas na casa de Rebollal também estavam em situação legal. Segundo o promotor Rômulo Santos, responsável pela investigação, “como as armas estavam cadastradas em nome dele, a posse era regular, e por isso ele não foi autuado”. Os decretos assinados por Bolsonaro tornaram possível que o colecionador possa manter um arsenal em casa. Antes do atual governo, atiradores eram autorizados a ter, no máximo, 18 armas — e fuzis eram proibidos. Portanto, se a mesma apreensão fosse feita até 2019, Rebollal responderia pela posse ilegal do armamento de uso restrito, mais um crime com pena de até seis anos. Depois das mudanças, integrantes da categoria são autorizados a ter até 60 armas, e até 30 delas podem ser fuzis.
Como Rebollal escapou de responder pelo porte ilegal da munição e pela posse ilegal das 26 armas, a única acusação que restou foi a de associação para o tráfico, cujas principais provas eram as conversas interceptadas. Numa delas, a namorada de Rebollal e o irmão dela falaram sobre o fornecimento de munição para o Complexo do Lins e a Favela do Jacarezinho, ambos na Zona Norte. Ele disse que pegou “uma caixa de calibre .40 e trouxe no Lins e tem mais uma de .40 pro Jacarezinho”. O cunhado do atirador também mencionou, em outros diálogos, entregas de cartuchos no Morro do Engenho e em Manguinhos.
Após a operação contra Rebollal, a Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme) da Polícia Civil do Rio abriu uma nova investigação para apurar se o material apreendido seria repassado para criminosos. Até hoje, o inquérito não teve um desfecho. As armas e os cartuchos apreendidos em janeiro seguem em poder da polícia.
https://extra.globo.com/casos-de-policia/com-respaldo-da-legislacao-investigado-por-ligacao-com-trafico-solto-apos-10-meses-25587326.html