Chilena sonha vencer a Champions com o Lyon, pede criação do Mundial de Clubes Feminino e imagina um possível duelo com uma equipe brasileira pelo título: "Seria uma honra"
Por Allan Caldas — Lyon, França
Aos 30 anos, com a experiência de seis temporadas no futebol europeu, a chilena Christiane Endler alcançou o status de referência debaixo das traves entre o público que acompanha o futebol feminino, mas somente este ano ganhou o reconhecimento oficial de melhor goleira do mundo. Em janeiro, recebeu o Fifa The Best, um prêmio que a arqueira do Lyon celebrou como uma conquista coletiva.
Estou muito feliz, jamais imaginei, desde pequena, que iria ganhar algo tão importante para mim, para meu país e sobretudo para a América do Sul. Ser a primeira latino-americana a conseguir este prêmio é algo que me enche de orgulho. As coisas têm seu devido tempo, não tinha que ser antes, tinha que ser agora - disse Endler em entrevista exclusiva ao ge, por videoconferência, no lançamento da chuteira Adidas Predator Edge.
Esportista desde a infância, Endler começou a jogar futebol aos dez anos em Santiago, mas também praticava outras modalidades, como tênis, basquete, vôlei e natação. Aos 15, fez um teste na seleção chilena sub-17 de futebol, mas na época ainda jogava como atacante. Devido à altura - hoje, ela mede 1,87 m -, foi aconselhada a mudar para o gol. O futebol feminino agradece.
Em um esporte com pouca divulgação, especialmente na América do Sul, faltava a Endler uma referência em quem se inspirar. Por isso, hoje ela sorri ao saber que pode ser um modelo para as futuras goleiras da seleção chilena. Como um dia foram para ela algumas craques da seleção brasileira.
- Infelizmente, nunca tive muitas referências femininas no gol, não conhecia muito, não via futebol feminino no Chile, sempre havia modelos masculinos para seguir. Claro, conhecia Marta, sempre foi uma inspiração, assim como Cristiane. As duas marcaram o futebol na América do Sul e mostraram coisas impressionantes, junto com a Formiga também. São figuras marcantes para nós, pessoas que desenvolveram o futebol feminino na América do Sul, são exemplos a seguir - afirmou a goleira.
- Eu agora ser um exemplo para as novas gerações é uma honra para mim. Saber que muitas meninas, principalmente no Chile, têm uma figura em quem se inspirar é muito gratificante para mim, me enche de alegria - continuou a goleira do Lyon, que se machucou no último clássico contra o PSG e não poderá defender a seleção chilena nos dois amistosos desta data Fifa contra o Equador.
Endler confia na classificação chilena para a Copa
Pela seleção, Endler disputou a Copa do Mundo de 2019 e as Olimpíadas de Tóquio, ano passado, duas competições inéditas para o futebol feminino do Chile. Uma evolução que faz a goleira acreditar em uma boa campanha na Copa América de julho, que dará três vagas para o próximo Mundial, em 2023, na Austrália e Nova Zelândia.
- Nos últimos anos, houve um desenvolvimento muito grande do futebol feminino na América do Sul, e a classificação do Chile (para a Copa de 2019) creio que marcou um antes e um depois. O Chile está trabalhando há muito tempo, temos possibilidade de ir ao Mundial. Falta muita coisa a fazer antes da Copa América, em julho, mas acho que temos chance se conseguirmos encontrar nosso jogo e aproveitar a maior experiência de ter jogado uma Olimpíada e um Mundial. Seria magnífico poder classificar para outra Copa do Mundo.
Antes da Europa, três finais e um título da Libertadores
Endler esteve presente nos primeiros passos importantes dos clubes chilenos no cenário internacional. Ajudou o Everton a chegar à final da segunda edição da Libertadores Feminina, e o time de Viña del Mar vendeu caro a derrota por 1 a 0 para o Santos, com gol de Maurine apenas aos 44 minutos do segundo tempo.
Em 2011, já no Colo-Colo, outro vice da Libertadores, em nova derrota por 1 a 0 para um time brasileiro, o São José. Até que em 2012 o Colo-Colo de Endler acabou com a supremacia verde-amarela na competição: campeão com uma vitória nos pênaltis sobre o Foz Cataratas, com a goleira defendendo a última cobrança brasileira. Um título especial para ela.
- Nas últimas Libertadores, sempre tinham equipes chilenas na final ou perto da final, e ganhamos também uma vez com o Colo-Colo a Libertadores de 2012, quando o Brasil ganhava praticamente tudo, creio que foi um grande feito para nós. Esperamos que possamos disputar de igual para igual no futuro com o Brasil, com as seleções europeias, Estados Unidos. O objetivo é poder seguir desenvolvendo, crescendo o futebol feminino na América do Sul.
Com mais de dez anos de atividade, Endler comemora também o crescimento do futebol feminino além dos gramados: mais organização e profissionalismo.
- É super importante o crescimento que tem havido nos últimos anos em equipamentos, uniforme, chuteiras. Que o futebol feminino tenha sua própria linha de uniformes, e não ficar com o que sobra do masculino. Faz uma grande diferença ter uma chuteira pensada especificamente para o pé das mulheres, um modelo de chuteiras icônicas, são coisas importantes que ajudam a desenvolver o futebol feminino. São pequenos detalhes, o equipamento, a tecnologia, o GPS, tudo ajuda para haver um futebol melhor - comentou.
Goleira Christiane Endler em ação na estreia da Copa do Mundo Feminina — Foto: Reprodução/Twitter
Depois de uma passagem pelo Chelsea em 2014 e o retorno ao Colo-Colo por dois anos, Endler se estabeleceu definitivamente na Europa a partir de 2016. Primeiro, no Valencia, da Espanha. Depois, no futebol francês, onde virou referência na Europa.
Atuou quatro anos no Paris Saint-Germain, e viu o time alcançar, pouco a pouco, a condição de rival do poderoso e até então imbatível Lyon. Depois de vencer uma Copa da França, em 2018, e bater na trave em diversos duelos decisivos na sequência, o PSG enfim conquistou o título francês da temporada 2020/21, e ainda por cima eliminou o Lyon nas quartas de final da Liga dos Campeões da Uefa - com defesa decisiva de Endler no jogo de volta.
Da consagração no PSG para a reconstrução do Lyon
Curiosamente, ao fim da temporada ela trocou o PSG pelo Lyon, e agora quer ajudar o novo time a retomar o caminho das vitórias.
- Nem sempre se pode ganhar tudo, é preciso ter alguma mudança, fazer uma revolução para voltar a crescer e cumprir seus objetivos. Este ano, o time está muito forte, durante todo o primeiro semestre tivemos resultados muito bons, estamos nos conhecendo melhor e vendo o resultado do trabalho. O objetivo é ganhar tudo este ano e creio que estamos em condições de conseguir.
Maior vencedor da Liga dos Campeões da Uefa, com sete títulos, o Lyon vai enfrentar a Juventus nas quartas de final nesta temporada. Se levantar novamente a taça, chegará ao topo da modalidade. Poderia ir mais longe? Não até que seja criado o Mundial de Clubes Feminino, competição que teve apenas três edições embrionárias, não oficiais, entre 2012 e 2014 (Lyon, Kobe Leonessa, do Japão, e São José foram os campeões).
- Seria muito importante, já se fez algumas vezes e seria importante para o desenvolvimento do futebol feminino, para que se tenha o mesmo tipo de torneio do masculino, e para podermos jogar contra times da América do Sul, e com equipes do resto do mundo. E claro que os times brasileiros sempre são fortes, têm equipes muito importantes, eu vejo jogar na Libertadores. As brasileiras são sempre fortes e seria uma honra poder jogar contra elas em um possível Mundial de Clubes.
https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-frances/noticia/melhor-goleira-do-mundo-christiane-endler-ve-premio-the-best-como-vitoria-da-america-do-sul-orgulho.ghtml