Desmatamento e mudanças do clima agravam risco de seca severa na Amazônia e no Cerrado

"Se nada for feito, a produção agrícola vai cair porque é fortemente dependente do clima", afirma o pesquisador

Por Cristiane Paião, Globo News

Sobrevoo do Greenpeace em fazenda na Amazônia em 2020 mostra gado sendo colocado em área recém queimada — Foto: Christian Braga/Greenpeace

Estudo aponta que expansão do agronegócio de forma desordenada pode colocar em risco estabilidade dos biomas. Pesquisadores alertam para risco de queda na produção do Matopiba caso não haja reflorestamento.

Mudanças drásticas no uso do solo para a expansão do agronegócio, aliadas aos efeitos das mudanças climáticas na zona de transição entre o leste da Amazônia e o Cerrado, podem estar induzido à um agravamento das condições da seca severa no país.

Com a exploração desordenada, a estabilidade dos biomas pode estar sendo colocada em risco e, consequentemente, também a produção dos alimentos na nova fronteira agrícola brasileira. Trata-se da chamada região do "Matopiba", que compreende Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, responsável por quase 12% da produção da soja, principal commodity de ração animal produzida pelo Brasil.

É o que aponta um estudo realizado por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O artigo foi publicado na revista "Scientific Reports".

"Os resultados evidenciam um aumento na temperatura, déficit de pressão de vapor, frequência de dias secos e diminuição na precipitação, umidade e evaporação. Também apontam um atraso no início da estação chuvosa, o que aumenta o risco de incêndio durante a estação de transição seca para úmida. Esses processos podem se tornar mais intensos no futuro", explica José Marengo, coordenador-geral de pesquisa do Cemaden e primeiro autor do estudo.

"Se nada for feito, a produção agrícola vai cair porque é fortemente dependente do clima", afirma o pesquisador. O trabalho teve a participação de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e das universidades de Valência, na Espanha, e de Grenoble, na França.

Os cientistas usaram uma combinação de dados meteorológicos e de satélites para analisar mudanças nas variáveis hidrológicas e climáticas na América do Sul tropical durante as últimas quatro décadas. As regiões que sofreram aquecimento de longo prazo ou apresentaram tendência de seca no período de 1981 a 2020 foram identificadas por meio da análise de padrões espaciais para diferentes variáveis radiativas, atmosféricas e hidrológicas.

"Esses achados fornecem evidências observacionais da pressão climática crescente nessa área [Matopiba], que é sensível para a segurança alimentar global, e a necessidade de conciliar a expansão agrícola e a proteção dos biomas tropicais naturais", avalia Marengo.

Mais de 3 mil hectares foram desmatados na região do Matopiba, segundo Ibama

Plano de adaptação

O raciocínio, segundo os cientistas, é simples. Se não houver reflorestamento, não é possível manter a produção, porque, a longo prazo, a colheita não se sustenta. Logo, a pecuária também não. Com o aumento das temperaturas máximas, que já está acontecendo, toda a região pode ficar inviável.

Segundo o climatologista Carlos Nobre, os estudos apontam justamente uma queda na produtividade na última década: "se não tivermos sucesso no Acordo de Paris, e a temperatura subir 3 graus, o Brasil vai perder a qualidade de um grande produtor agrícola, principalmente no chamado 'arco do desmatamento', que vai se transformar em um local muito quente".

Para o pesquisador, o que os estudos apontam não é o futuro, é o presente, que já está acontecendo. Apesar de a população, em geral, compreender a importância do meio ambiente, ele acredita que seja preciso trabalhar ainda a questão ambiental justamente com os produtores rurais.

"Quando são feitas pesquisas de opinião, o Brasil sempre está sempre entre os 3 países que mais acreditam nas mudanças climáticas, mas alguns produtores recebem visitas dos negacionistas, há todo um discurso por trás disso", disse Nobre.

"É como se diminuíssem o risco da atividade deles, de diminuir a produção por falta de sustentabilidade, mas os estudos publicados recentemente mostram a queda na produção da soja e do milho, tanto na região do Matopiba quanto na transição do Mato Grosso, portanto, nós já estamos vendo as mudanças climáticas por aqui", complementou o pesquisador.

Em 2015, o governo brasileiro declarou o Matopiba como a "última fronteira agrícola" do país. A expansão do agronegócio e, principalmente, das monoculturas de soja, teve início a partir da década de 1980 e se acelerou no início dos anos 2000. Entre 2003 e 2013, saltou de 1,2 milhão para 2,5 milhões de hectares. E detalhe: aproximadamente 74% dessas novas terras agrícolas estavam no Cerrado, em áreas até então intactas.

Para reverter esse quadro, o pesquisador defende a busca da agricultura regenerativa. "A produção da soja no Matopiba e no Cerrado é de grande escala, e não aplica essas práticas, mas há belíssimos exemplos no sudeste e no sul. São trechos de cultura agrícola intercalados, mesclados com o bioma natural", explica o climatologista.

"Isso aumenta os polinizadores, equilibra a temperatura, diminui a erosão quando tem tempestades. Também é preciso fazer a rotação das culturas para recuperar a fertilidade dos solos e parar a expansão da derrubada das árvores,.

Para Marengo, a saída é parecida. "As medidas de adaptação que podem ser adotadas são, basicamente, reflorestamento, redução do desmatamento e das mudanças no uso da terra no Matopiba. Há quem possa interpretar que essas medidas podem causar a redução da produção agrícola também. Mas se nada for feito, a produção cairá ainda mais porque a atividade agrícola é muito dependente do clima", destaca.

Fenômenos climáticos

De acordo com Marengo, as secas na Amazônia e próximas ao Cerrado geralmente estão relacionadas a eventos como El Niño e/ou às temperaturas da superfície do Atlântico Norte.

Esses aumentos da temperatura oceânica favorecem a ocorrência de déficits regionais anômalos de água, temperaturas mais quentes e intensas temporadas de incêndios, que podem ser fatores limitantes para o desenvolvimento, colheita e produção de soja no Matopiba.

Durante o El Niño de 2015/2016 foi registrada a redução na produtividade da soja – que entre 2014 e 2015 foi de pouco mais de 96 milhões de toneladas e, no período do fenômeno climático, caiu para 95,4 milhões de toneladas.

"No futuro, eventos como o El Niño de 2015/2016 podem ser mais intensos. Por isso, é preciso começar a implementar medidas de adaptação para mitigar os impactos das mudanças climáticas naquela região, como redução do desmatamento da Amazônia e de mudanças do uso no Matopiba”, aponta Marengo.

https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/02/04/desmatamento-e-mudancas-do-clima-agravam-risco-de-seca-severa-na-amazonia-e-no-cerrado.ghtml