Quase 20 competidores disputam título do automobilismo animal.
Rafael MeloDo G1 PB
Luiz Gonzaga disse em uma das suas composições que o jumento é nosso amigo. No ano em que completaria 100 anos se estivesse vivo, moradores de Campina Grande resolveram pegar esse famoso trecho da sua obra para homenageá-lo. Eles realizaram a corrida do jegue na comunidade São Januário na tarde do domingo (24).
Quase 20 competidores da região e de lugares mais distantes se inscreveram para participar da 3ª Corrida do Jegue de Campina Grande, e a organização garante que o evento já entrou para o calendário de festas da cidade no período da festa junina. Depois de uma etapa de sorteio de brindes, uma vistoria foi feita para saber se os animais estavam aptos para a prova de atletismo.
O vendedor ambulante Geovano de Andrade mora na cidade, mas importou um animal de outro lugar para não fazer feio durante a competição. O jegue Roxão veio direto da capital João Pessoa paramentado com fitas de São João, Santo Antônio e São Pedro para dar proteção no momento da corrida. Geovano revelou minutos antes da prova a tática para a competição. Segundo ele, a lata na mão não era de cerveja, mas uma espécie de chocalho para espantar o bicho e fazer com que ele ande mais rápido.
O burródromo, como é chamada a pista da corrida, não é propriamente um circuito, mas o terreno irregular deixa a brincadeira ainda mais engraçada. Aliás, isto não é brincadeira, ou pelo menos, não para os competidores. Eles passam muito tempo se preparando para a jornada.
Edvaldo foi campeão nos dois últimos anos com o companheiro Severino, jegue acostumado a participar de grandes campeonatos, segundo o dono, que revelou que a fórmula para ganhar é alimentar com milho de qualidade.
A inscrição era um quilo de alimento apenas para ser revertido em ações sociais na comunidade. Mesmo assim, nenhum dos 17 corredores entregou o material. Mas, isso não foi problema e todos puderam participar. Aliás, os prêmios era R$ 150 e 30 kg de milho para o primeiro colocado, R$ 100 e R$ 50 para segundo e terceiro, respectivamente. Os desclassificados ainda recebiam 2 kg de milho para alimentar o burrinho.
Depois de realizada a última inspeção nos jumentos e avaliadas todas as condições de prova, os mais de 300 espectadores se reuniram no entorno do circuito e os organizadores dividiram os competidores em três baterias. Os primeiros colocados de cada etapa avançavam para a grande final. Mas antes do grande momento da festa, foi realizado um bingo e apresentação dos trios de forró.
“Nós idealizamos esta grande brincadeira para na verdade resgatar as raízes da nossa cultura nordestina. Só Deus sabe o quanto este animal ajudou e ajuda o sertanejo na lida diária, no serviço pesado. E fazendo isto, nós fazemos com que os donos olhem mais carinhosamente para os seus animais, trate melhor para ele dar a resposta dentro do corredor”, disse Francisco Caetano, organizador da competição.
Foi exatamente por não respeitar o animal que o Geovano de Andrade foi desclassificado. Os auditores da prova entenderam que o bicho não suportava o peso do homem e que ele estava batendo no jegue. O competidor infligiu uma das regras do estatuto da competição e perdeu o direito de correr. Geovano também havia bebido e a blitz da Corrida do Jegue repudiou a falta de responsabilidade do corredor. “Ele terá a carteira de habilitação para veículos burromotores apreendida”, brincou o organizador Francisco.
A maioria dos corredores é formada por crianças e os jumentos são muitas vezes bem novinhos. Mas há alguns tão pequenos que não podem competir. É o caso do Chico, que fica do lado de fora observando e já que não pode correr se torna atração da moda, pois o bicho foi maquiado especialmente para o evento.
Depois de muito desfile de jumentos por todo o espaço do evento, enfim, eles foram perfilados e um juiz deu a largada bateria por bateria. Ao término, as primeiras colocações foram para os burros Severino, Feitosa e Preta. Uma dúvida foi levantada por todos, pois ninguém conseguiu identificar quem tinha passado primeiro na linha de chegada, mas os recursos dos auditores e dos fiscais provaram quem ganhou e reconheceram a validade da competição.
Passada a competição, foi hora de todo mundo festejar. Luciane Ferreira está de férias na casa de parentes e aproveitou para ir conferir de perto a tão falada Fórmula 1 dos campinenses. “É muito engraçado. Eu bolei de rir. No próximo ano quero ver quem vai levar novamente”, disse. A corrida do jegue já está no terceiro ano e é realizada por moradores de uma comunidade na periferia de Campina Grande, mas atrai turistas curiosos e entusiastas da cultura popular nordestina.