Lugo foi afastado após impeachment 'relâmpago' no Senado e aceitou sair.
Amauri ArraisDo G1, em Assunção
Menos de duas horas depois do julgamento político que destituiu o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, nesta sexta-feira (22), por “mau desempenho de suas funções”, o vice-presidente Federico Franco assumiu o cargo, que deverá exercer pelos próximos nove meses, até a próxima eleição presidencial.
Franco tomou posse em uma sessão conjunta do Congresso, em meio a aplausos, pouco mais de 90 minutos depois do impeachment de Lugo, que foi encarado como um golpe pelo presidente afastado, por seus partidários e pela comunidade de países sul-americanos.
Venezuela, Bolívia e Equador já anunciaram que não reconhecem Franco como presidente. Chile e Argentina também criticaram o processo.
Após prestar juramento, Franco recebeu a faixa e o bastão presidenciais.
Em seu discurso de posse, Franco fez referência à morte de policiais no confronto armado com sem-terra em Curaguaty, um dos motivos alegados pela oposição para afastar Lugo.
"A melhor maneira de honrar nossos policiais mortos é iniciar verdadeiro desenvolvimento rural sustentável", disse.
“Este compromisso só será possível com a ajuda e colaboração de todos vocês. A única maneira de levar adiante é entendendo que o Paraguai deve ser comandado por liberais e colorados, católicos e não católicos, e integrantes de todos os movimentos sociais", disse.
Franco prometeu conservar e cumprir a Constituição e as leis.
“Pretendo, com a ajuda de todos vocês, chegar a 15 de agosto de 2013 e andar com a cabeça erguida nas ruas de meu país e entregar a Presidência da República a um novo presidente eleito.”
"Devo ratificar minha vontade irrestrita de respeitar as instituições democráticas, o Estado de direito e os compromissos assumidos pelo governo", disse.
“Não tenho ódio, tampouco remorso. Vamos caminhar juntos, todos os partidos e representações partidárias. Vamos seguir juntos."
"Quero entregar um país organizado, sem mais mortes, com inclusão, participação de todos os setores, com a presença de ricos e pobres", disse.
"Vamos continuar tudo o que foi feito de bom neste período... vamos dar ênfase especial à industrialização", disse.
Franco também afirmou que não pretende adotar um programa de governo, mas dar continuidade ao mandato de Fernando Lugo. Mas ele enfatizou: "o que se fez bem".
Na primeira entrevista após a posse, já no palácio do governo, Franco nomeou dois ministros e pediu compreensão aos líderes dos países vizinhos, principalmente aos do Mercosul.
Impeachment
O placar pela condenação e pelo impeachment do socialista Lugo foi de 39 senadores contra 4, com 2 abstenções. Eram necessários dois terços dos votos dos senadores para confirmar o afastamento, que foi decidido após cerca de 5 horas de julgamento.
Os quatro senadores que apoiaram a absolvição do mandatário denunciaram o julgamento político como um "atentado à democracia paraguaia".
A notícia do impeachment foi recebida sob protesto por manifestantes que ocupavam a praça em frente ao Congresso e que consideraram que houve, na verdade, um golpe contra o presidente.
Houve confusão e tentativa de invadir o prédio, reprimida pela polícia.
Em discurso, Lugo afirmou que aceita a decisão do Senado. Ele disse considerar que a democracia paraguaia ficou ferida.
Lugo, acusado de "mau desempenho de suas funções" pelo parlamento dominado pela oposição, decidiu não comparecer ao julgamento e apenas enviou sua equipe de cinco advogados para apresentar sua defesa. Eles pediram, em vão, a retirada das condenações, e argumentaram que não houve tempo suficiente para a defesa.
Durante a tarde, chegou-se a anunciar que Lugo marcharia rumo ao Congresso junto com seus ministros, mas isso não se confirmou e ele acompanhou tudo do palácio presidencial, a 200 metros dali.
Ele recebeu a visita da comissão de chanceleres da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), que condenou a atitude do Congresso.
Brasil
A presidente Dilma Rousseff, no Rio de Janeiro para a conferência Rio+20, tambem apelou, em vão, por uma solução negociada para a crise.
O G1 apurou que a reação da população paraguaia ao impeachment de Lugo será decisiva na decisão do Mercosul e da Unasul sobre a aplicação de sanções ao Paraguai, como a exclusão do país dos blocos regionais. O protocolo do Mercosul prevê a possibilidade de exclusão de país membro que viole princípios democráticos.
Segundo um interlocutor da Presidência, se não houver "clamor popular" contra a destituição de Lugo, o fato indicará que a responsabilidade pela perda de apoio político é do próprio presidente paraguaio. Nessa circunstância, o Mercosul poderá reconhecer o novo governo.
Mas, se houver manifestações contundentes a favor de Lugo, Mercosul e Unasul deverão abrir processo de discussão sobre eventuais sanções ao Paraguai no âmbito dos blocos.
O governo brasileiro está preocupado com o impeachment porque ele poderá representar uma interrupção do processo democrático na América do Sul, anos após o término das ditaduras militares.
Apesar disso, a avaliação é de que a Unasul sai fortalecida, já que tomou de imediato a providência de enviar chanceleres de todos os países do Cone Sul a Assunção, para acompanhar o processo político contra Lugo.
Segundo um ministro, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e o presidente chileno, Sebastián Piñera, apresentaram resistência em enviar seus chanceleres ao Paraguai, mas foram convencidos a fazê-lo durante reunião na quinta (21) com a presidente Dilma e demais chefes de Estado e representantes de países da América do Sul.
Recurso à Suprema Corte
Mais cedo, Lugo apresentou uma ação de inconstitucionalidade à Suprema Corte de Justiça do país contra o julgamento .
"O presidente reclama mais tempo para defesa", afirmou um porta-voz à imprensa, poucas horas antes do início do julgamento.O processo foi iniciado por conta do conflito agrário que terminou com 17 mortos na semana passada no interior do país.
A oposição acusou Lugo de ter agido mal no caso e de estar governando de maneira "imprópria, negligente e irresponsável".
O presidente também foi acusado por outros incidentes ocorridos durante o seu governo, como ter apoiado um motim de jovens socialistas em um complexo das Forças Armadas ou não ter atuado de forma decisiva no combate ao pequeno grupo armado Exército do Povo Paraguaio, responsável por assassinatos e sequestros durante a última década, a maior partes deles antes mesmo de Lugo tomar posse.
O caminho para abrir o processo ficou aberto depois que o Partido Liberal Radical Autêntico, do vice-presidente Franco, retirou seu apoio à frágil coalizão do presidente socialista.
A Câmara aprovou a abertura do processo numa votação quase unânime, por 76 votos a 1, e o Senado -onde Lugo também não tem maioria- marcou o julgamento político muito rapidamente já para esta sexta.
"Estão me fazendo um golpe de Estado 'expresso', porque fizeram entre a noite e a madrugada. Nós dizemos que é inclusive anticonstitucional, porque não se respeita o devido processo", disse Lugo, um ex-bispo católico de 61 anos, em entrevista à emissora de TV Telesur na noite de quinta-feira.
O último processo de impeachment no Paraguai havia acontecido em 1999, quando o então presidente Raúl Cubas foi acusado de envolvimento no assassinato do vice-presidente Luis Argaña e na posterior morte de sete manifestantes. Cubas renunciou e se exilou no Brasil antes da conclusão do julgamento.
Com agências internacionais