Por Mariana Muniz, Ivan Martínez Vargas e Luísa Marzullo — Brasília 02/08/2025
Plenário do STF durante sessão de julgamento — Foto: Fellipe Sampaio /STF/26-06-2025
Na primeira declaração pública após sofrer sanções do governo de Donald Trump, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), chamou de “covardes e traiçoeiras” as ações que levaram à aplicação da Lei Magnitsky contra ele. O ministro disse ainda que vai ignorar as medidas, que vão de revogação de visto de entrada nos EUA a bloqueio de serviços financeiros e digitais de empresas americanas. O discurso ocorreu durante a sessão de reabertura do Judiciário para o semestre que será marcado pelo julgamento dos réus da trama golpista, en-tre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Embora o ex-mandatário não tenha sido citado diretamente, assim como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que viajou aos Estados Unidos para defender as sanções ao Brasil, ministros da Corte enviaram recados de que os alvos da ação penal serão julgados “sem interferência”, mesmo diante das investidas. Moraes disse que o grupo investigado por tentativa de golpe no país atua com o mesmo “modus operandi golpista” observado no 8 de Janeiro, desta vez buscando desestabilizar o país por meio de medidas econômicas e pressões políticas. O relator da ação penal apontou a prática de crimes contra o país, chamando-os de “pseudo patriotas”.
— Temos visto recentemente ações de diversos brasileiros que estão sendo processados ou investigados. Estamos constatando condutas dolosas, conscientes (...) de uma verdadeira organização criminosa, que atua de forma jamais vista em nosso país — afirmou o ministro, que seguiu: Agem de maneira covarde e traiçoeira. Covarde porque esses brasileiros, pseudo patriotas, encontram-se foragidos e escondidos fora do território nacional. Não tiveram coragem de permanecer no país e atuam por meio de atos hostis.
Desagravos e reação
A declaração ocorreu durante uma sessão de desagravo a Moraes, com discursos em sua defesa proferidos pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, pelo decano, Gilmar Mendes, pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e pelo advogado-geral da União, Jorge Messias. A Magnitsky prevê sanções financeiras, como o bloqueio de bens e investimentos em solo america-no, ativos dos quais Moraes afirma não dispor, além da proibição de uso de cartões de crédito vinculados a instituições dos EUA. A legislação foi criada originalmente para punir violações de direitos humanos e atos de corrupção e a aplicação foi criticada por um dos maiores incentivado-res da legislação, o britânico Bill Browder (leia mais na pág. 6).
Ao comentar as sanções, Moraes disse que vai ignorá-las e seguirá seu trabalho normalmente. Segundo ele, a expectativa de que o país sucumba às pressões externas é ilusória:
— Esse relator vai ignorar as sanções que lhe foram aplicadas e continuar trabalhando como vem fazendo, tanto no plenário quanto na Primeira Turma.
Ao mencionar os ataques à Corte, Moraes disse que a ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado, em que Bolsonaro e outras 32 pessoas são rés, deve ser concluída em setembro. Segundo ele, os investigados tentam interferir no andamento do processo prejudicando o país:
— Com constante atuação e mantendo suas afirmações como se houvesse glória na traição, principalmente nas redes sociais, assumem a autoria de uma verdadeira intermediação com um governo estrangeiro para a imposição de medidas econômicas contra o próprio país, que resultaram na taxação de 50% dos produtos brasileiros importados pelos EUA.
Ele apontou que a ação do grupo vai além dos ataques institucionais, mas inclui ainda ameaças a familiares, classificando como “organização criminosa miliciana”.
— Não estão só ameaçando e coagindo as autoridades públicas, mas também amedrontando os familiares. Essas condutas caracterizam claros atos executórios de traição ao Brasil — disse. — Acham que estão lidando com pessoas da laia deles, acham que estão lidando também com mili-cianos, mas não estão. Estão lidando com ministros da Suprema Corte brasileira.
Após o discurso de Moraes, coube ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) sair em defesa da família. Ele disse que Moraes, “com mentiras, calúnias e antecipação de julgamento” ameaça Eduardo de “se vingar no processo em que ele próprio é o relator”. Eduardo é alvo de inquérito aberto para apurar sua atuação nos EUA.
Barroso defendeu Moraes, citando sua “bravura” e “altos custos pessoais” para evitar a “erosão da democracia” no Brasil. O presidente da Corte defendeu a condução de Moraes no processo da trama golpista, afirmando que o Supremo vem agindo com transparência e lisura, além de respeitar o direito a defesa dos réus:
— As ações penais têm sido conduzidas com observância do devido processo legal, com transparência em todas as fases do julgamento. Sessões públicas, acompanhadas por advogados, pela imprensa e pela sociedade. Advogados experientes e qualificados ofereceram o contraditório. Há confissões, áudios, vídeos, textos e outras provas que visam documentar os fatos.
Ele encerrou com uma mensagem enfática em defesa do regime democrático:
— Democracia tem lugar para todos: conservadores, liberais e progressistas. Ninguém tem o monopólio da virtude e ninguém tem o monopólio do amor ao Brasil. Quem ganha as eleições leva. Quem perde pode tentar ganhar na eleição seguinte.
Já Gilmar Mendes fez menção à atuação de Eduardo.
— Não é segredo para ninguém que os ataques à nossa soberania foram estimulados por radicais inconformados com a derrota do seu grupo político nas últimas eleições presidenciais. Entre eles, um deputado federal que, na linha de frente do entreguismo, fugiu do país para covardemente difundir aleivosias contra o Supremo Tribunal Federal, num verdadeiro ato de lesa-pátria — disse o decano, que defendeu o andamento das ações da trama golpista e afirmou que os ataques a Moraes são fruto de “desespero” de quem apela para “cantilenas de perseguição política”.
O mesmo tom foi adotado à tarde, quando a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abriu os trabalhos da Corte neste semestre. Ela defendeu a atuação de Moraes, que presidiu o TSE na eleição de 2022, e ressaltou que o Judiciário seguirá atuando ao lado da Constituição:
— Seu papel (de Moraes) na História será sempre lembrado, especialmente pela firme atuação em um momento de extrema dificuldade.
Atuação de Eduardo
O termo “lesa-pátria”, usado por Gilmar para se referir à atuação de Eduardo, carrega forte carga simbólica e histórica e costuma ser empregado para se referir a condutas que atentam contra a soberania nacional e os interesses fundamentais do país.
Em setembro de 2021, foi promulgada a legislação que revogou a Lei de Segurança Nacional e inseriu no Código Penal brasileiro o capítulo referente aos “Crimes contra o Estado Democrático de Direito”. A nova lei inclui dispositivos que criminalizam condutas contra a soberania nacional, as instituições democráticas, o processo eleitoral e os serviços essenciais.
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/08/02/traidores-da-patria-ministros-do-stf-mandam-recados-em-meio-a-crise-do-tarifaco-e-sancoes-a-moraes.ghtml