Legenda: Italo Diógenes Holanda Bezerra é o homem que ama o rio: apaixonado pelo Jaguaribe, faz por ele façanhas inimagináveis - Foto: Arquivo pessoal
Escrito por Diego Barbosa 28 de Maio de 2025
Fruto de 11 gerações habitantes da ribeira do Jaguaribe, Italo Diógenes Holanda nutre pelas águas um sentimento capaz de transpor barreiras, construir pontes e inspirar ações concretas
Um amigo, um irmão, um pai, um tio. Acima de tudo, um rio e um dos maiores amores de Italo Diógenes Holanda Bezerra. Aos 56 anos, o cearense orgulha-se por ser apaixonado pelo Jaguaribe a ponto de realizar façanhas inimagináveis a favor das águas. “Como não amar algo que dá tanta vida pra gente?”, questiona-se, olhos brilhando ao encarar o maior rio do Ceará.
São 633 quilômetros de extensão e muitas histórias capazes de desenhar a personalidade de uma riqueza genuinamente nossa. O Jaguaribe, quem diria, gosta de conversar. Todos os dias, do nascer ao pôr do sol, a imensa extensão fluvial troca vários dedos de prosa com Italo, que nunca deixa o papo morrer. É falante, atencioso e muito terno.
Chama o parceiro de “meu irmão”, e tanto agradece quanto pede perdão. Sim, perdão, mas não por ele. Pensa em todas as pessoas que desrespeitam algo tão valioso e não pensam no futuro. Jogam lixo, articulam intervenções, maculam o rio. Querem destruí-lo. Italo não deixa. É valente o suficiente para driblar o mal.
Quando assim faz, lembra dos principais instantes vivenciados com aquele que considera o próprio aconchego. Apesar de graduado em Engenharia Ambiental e estudante de Engenharia Civil, a maior qualificação dele é mesmo ser ribeirinho. Mora em Limoeiro do Norte, interior cearense, exatamente na ribeira do Jaguaribe, em sintonia com 11 gerações da família.
Segregado de Jaguaribara – cidade engolida pelas águas do açude Castanhão, construído no Jaguaribe para a criação de um reservatório de água – teve o umbigo enterrado nas redondezas do rio. Criança, banhava-se naquelas águas sozinho ou com amigos, e se permitia experimentar a liberdade. Os momentos ficaram na memória como instrumento de luta.
Legenda: Italo Holanda gosta de cuidar do rio porque enxerga nele a própria vida - Foto: Arquivo pessoal
Legenda: Italo Holanda organizou um concerto às margens do Jaguaribe em homenagem a ele - Foto: Arquivo pessoal
Legenda: É por situações feito esta, de descaso com o rio, que Italo Holanda continua a lutar Foto: Arquivo pessoal
Legenda: Italo Holanda junto ao rio Jaguaribe no pôr do sol: luta e inspiração - Foto: Arquivo pessoal
Luta e muita inspiração. O tempo fez com que realizasse grandes coisas a favor do amado. Criou, por exemplo, uma Área de Proteção Permanente (APP) da caatinga na nascente do rio para que, durante o período da seca, as plantas não morram e continuem a velar pelo parceiro aquático. “Fizemos um sistema de irrigação a fim de garantir a quantidade mínima de água para que a caatinga nessa região jamais deixe de florescer conforme a dinâmica dela”.
Também oportunizou – e continua a oportunizar – que estudantes de uma escola municipal coloquem o Jaguaribe na ordem prática do dia. Refletem sobre ele, fazem ações ao redor. Num dia, até homenagearam o rio. Chamaram Italo para ver de perto. Foi tudo muito bonito. “Fizeram meu coração explodir, fiquei muito feliz”.
Duas das maiores façanhas o homem fala como quem traz o coração na mão – ou no leito do rio interior. Em uma delas, respaldado por todos os órgãos públicos e entidades ambientalistas, conseguiu uma máquina e passou 44 dias tentando buscar o rio após ele ter sido colapsado por grandes agricultores, esfomeados por dinheiro e ganância.
“Fui buscá-lo 15 quilômetros distante da nascente dele. Nesse período, abri mão de toda a minha vida. E valeu totalmente a pena porque, quando você traz um rio, você devolve vida aos lugares. Foram aproximadamente 1500 pequenas propriedades beneficiadas com essa ação. Quando a água voltou, foi motivo de festa – e logo na pandemia. Coisa linda demais”.
Poucos anos depois, foi a vez de ousar um pouco mais: organizar um concerto às margens do Jaguaribe em homenagem a ele. Destacar a grandiosidade dele, de passar por 82 municípios cearenses. Exaltar a beleza que carrega em cada gota – possível de banhar, irrigar, hidratar. Transformar tudo ao redor. Cinquenta e oito músicos empenhados em fazer bonito.
“Foi uma hora tocando pro rio, músicas clássicas e releituras de canções do Nordeste. Você imagina o cabra fazer uma sinfonia prum rio? Não foi nada para me mostrar, mas é porque chegamos a um nível de intimidade que ali mesmo eu disse pra ele: ‘Tem gente que te ama, tem gente que te quer, a gente vai fazer um recital pra você’”.
Tem 360 anos que o patriarca da família de Italo – um português muito aventureiro – subiu o Jaguaribe e se radicou no Vale que leva o nome do rio. Italo busca honrar essa tradição todos os dias. Agora mesmo não descansa ao saber que uma empresa descobriu uma grande jazida de ouro, platina e palladium na região do polígono que abriga a nascente do Jaguaribe, e quer construir ali uma espécie de distrito mineral. Pretendem destruir 100 mil hectares de caatinga.
Outra ação desordenada tem sido a carcinicultura sem avaliação de impactos ambientais e, portanto, bastante prejudicial ao rio. Soma-se a isso o quase nulo cuidado dos próprios moradores das cidades com relação ao descarte de materiais, e o fato de até projetos para higiene de pessoas em situação de rua dependentes do rio serem colocados na berlinda, e a situação pesa. Quase não há luz.
“Ao mesmo tempo, sobra em mim esperança. Se eu não tê-la, como vou ter energia pra viver? Acordo cedo, porque gosto de rezar pela madrugada, e fico ali conversando com o Jaguaribe para que a gente possa vencer juntos. O amor é quando você acredita que, dentro da própria pequenez, pode construir algo intransponível frente a qualquer sentimento ou circunstância. Essa entrega absoluta constrói um mundo melhor”.
O homem que ama o rio não descansa. A maior força dele é o carinho. Daqueles que não diluem na água, mas encontram no sangue das coisas a força-motriz para seguir. A seiva das gotas, o nutriente dos líquidos.
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