Decisão desta terça-feira (20) é da juíza Rafaela D'Assumpção Cardoso Glioche. Pablo Marçal é acusado de colocar em risco 32 pessoas em Piquete (SP), em 2022.
Por Carlos Santos, g1 Vale do Paraíba e Região - 20/05/2025
Pablo Marçal vira réu por colocar em risco a vida de 32 pessoas durante expedição
A Justiça de São Paulo aceitou denúncia do Ministério Público estadual e tornou réu Pablo Marçal (PRTB) por colocar em risco a vida de pelo menos 32 pessoas durante uma expedição ao Pico dos Marins, em Piquete (SP), em janeiro de 2022.
A decisão desta terça-feira (20) é assinada pela juíza Rafaela D'Assumpção Cardoso Glioche. No documento, a magistrada afirma que a investigação da polícia que acompanha a denúncia do Ministério Público apresenta elementos suficientes para a instauração do processo criminal.
Ao g1, a defesa de Marçal disse que ele tem "plena convicção de sua inocência" - leia a nota completa abaixo.
Entre os elementos apontados na denúncia estão:
• Época crítica para expedição no Pico dos Marins;
• Condições climáticas adversas, com chuva, neblina e rajadas de ventos de 100 km/h;
• Roupas inapropriadas;
• Ausência de guias para orientação.
A juíza determinou que Marçal seja intimado da decisão e apresente resposta à acusação em um prazo de 10 dias. O influenciador poderá apontar provas e testemunhas que usará em sua defesa.
Marçal foi denunciado 32 vezes com base no artigo 132 do Código Penal, que trata de “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”.
O MP chegou a propor a possibilidade de transação penal – uma espécie de acordo para evitar a ação. E sugeriu o pagamento de R$ 272 mil - equivalente a 180 salários-mínimos -, que seriam destinados a uma entidade pública ou privada com destinação social.
Como não houve manifestação da defesa de Marçal nos autos, a juíza avaliou e decidiu aceitar a denúncia contra ele.
Segundo a denúncia do MP, Marçal "desprezou a contraindicação dos guias e promoveu a subida ao Pico dos Marins mesmo com as advertências para recuar". O objetivo do coach, de acordo com o órgão, era mostrar a importância de se correr riscos para vencer e prosperar na vida.
"Entretanto, na medida em que subiam a trilha rumo ao cume, a chuva aumentou, exsur-gindo significativa neblina e vento forte, com pouca visibilidade, o que tornava o trajeto inóspito, permeado de lama e pedras escorregadias, afora o risco de hipotermia (algu-mas pessoas estavam com as vestimentas encharcadas sem peças de troca)", sustentou a promotoria.
O que diz a defesa de Pablo Marçal?
Ao g1, os advogados Paulo Herschander e Paulo Hamilton Siqueira Júnior, que representam a defesa de Pablo Marçal, informaram que ele recebeu a notícia de ter se tornado réu com "serenidade", já que isso já era esperado por ele ter recusado a proposta de transação penal do MP.
Segundo a defesa, Marçal recusou a proposta por ter "plena convicção de sua inocência".
"Pablo Marçal reitera o seu compromisso com a verdade e com a justiça e confia firmemente que, no decorrer do processo, sua inocência será comprovada de forma inequívoca", disseram os ad-vogados de defesa do influenciador.
A denúncia
No documento, o MP cita que Marçal coordenou a expedição nos dias 4 e 5 de janeiro de 2022, em um período considerado crítico para a subida ao Pico e sob a alegação de que as pessoas precisavam encarar a escalada para "vencer na vida".
"[...] o denunciado capitaneou uma incursão com dezenas de pessoas (aproximadamente sessenta seguidores) na Serra da Mantiqueira (no local conhecido como Pico dos Marins), o fazendo propositadamente num período contraindicado a tanto (ou seja, fora da 'temporada de montanha'), nas mais adversas condições de tempo, sob o infundado pretexto de que as vítimas por ele guiadas precisariam correr riscos, enfrentando a natureza hostil daquele período, sem o que não seriam capazes de vencer e prosperar na vida".
Mesmo com mal tempo, coach insistiu em continuar caminhada até o Pico dos Marins
Ainda de acordo com o MP, Marçal e seus seguidores saíram da base do Pico dos Marins em grupos distintos, mas, durante o trajeto, a chuva aumentou, além de neblina, vento forte e pouca visibilidade.
O documento prossegue apontando que os seguidores se reuniram próximo ao Morro do Careca e que Marçal apontou os próximos passos do grupo, sendo que um dos guias contratados por ele alertou que "era inviável prosseguir, advertindo-o dos riscos".
"Contudo, o denunciado desdenhou dos avisos e chamou o guia de 'covarde', conclamando aos presentes que o seguissem (donde 32 pessoas atenderam tal chamado), expondo, assim, a vida e saúde de todos aqueles que o acompanharam a perigo direto e iminente (inclusive de morte)", continuou a promotoria.
Alguns dos seguidores desistiram da ideia de tentar chegar ao cume e resolveram retornar à base do Pico dos Marins. No entanto, o grupo de 32 pessoas que resolveu seguir continuou enfrentando condições adversas, segundo o MP, como rajadas de ventos de 100 km/h e visibilidade de, no máximo, 10 metros.
Na madrugada do dia 5 de janeiro, por volta das 4h, um dos seguidores que prosseguiu na escalada resolveu pedir socorro e conseguiu contato via rádio com o guia que havia sido contratado por Marçal -- e que foi chamado de 'covarde' pelo empresário.
O Corpo de Bombeiros iniciou a procura pelo grupo por volta das 6h do dia 5 e, depois de cerca de duas horas de caminhada, os bombeiros encontraram o primeiro grupo -- de 14 pessoas --, distantes a 1,5 km do cume do Pico dos Marins.
Segundo o MP, eles estavam "sem nenhum guia, com roupas inapropriadas para a travessia e encharcadas, parcialmente acampados fora da trilha do Pico dos Marins, os quais foram localizados pelos gritos, todos psicologicamente abalados".
Imagem de arquivo - Marçal ironiza quem classificou como irresponsabilidade a subida — Foto: Divulgação
Bombeiros mobilizaram operação para resgatar 32 turistas no Pico dos Marins — Foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação
Pico dos Marins, em Piquete (SP) — Foto: Reprodução/Jornal Nacional
Imagem de arquivo - Pablo Marçal (PRTB). — Foto: Reprodução/TV Globo
Esse grupo então desceu para a base com uma parte da equipe dos bombeiros, enquanto a outra equipe seguiu à procura do restante do grupo de Marçal -- que foi localizado após 1 hora.
"Daí em diante, os bombeiros finalizaram o socorro aos dois grupos perdidos no Pico dos Marins, donde os 32 integrantes estavam à mercê de perigo direto e iminente, com risco à vida e saúde, por uma expedição coordenada e idealizada pelo denunciado", completa o MP.
Expedição
A jornada foi toda registrada nas redes sociais de Marçal e, nos vídeos, é possível ver que, já na saída para a caminhada, as condições climáticas não eram apropriadas. Mesmo assim, Marçal insistiu na continuidade da expedição, chamando uma oração para que Deus pudesse “parar o vento”.
“Eu sei no meu coração que dá pra subir. Vai ser a pior experiência de todas. Nós sabemos que, do jeito que está aqui, não dá para subir. Mas uns pararam o sol, outros voltaram o tempo. A gente não tá pedindo nada disso. Só estamos pedindo para o Senhor desviar o vento”, afirmou Marçal na oração.
Ele compartilhou vídeos que mostram as pessoas relatando cansaço, frio e querendo desistir da "expedição" enquanto eram convencidas por ele de que a circunstância “era uma chance de crescimento” e que era preciso “vencer os medos”.
'Quem não quer correr risco fica em casa vendo stories', disse Marçal
Críticas dos bombeiros
À época, os bombeiros que participaram do resgate criticaram a ação de Marçal e afirmaram que “ele foi totalmente irresponsável” na condução do grupo. A subida do Marins é recomendada apenas nos períodos de estiagem (meses de abril a agosto), com guia e equipamentos de segurança.
“Ele foi totalmente irresponsável. Subir com um grupo de pessoas despreparadas e sem equipamento é colocá-las sob risco de morte. Essa foi a pior ação que a gente viu no Pico dos Marins”, afirmou Paulo Roberto Reis, capitão dos Bombeiros na ocasião e chefe da operação de resgate.
Pico dos Marins
O Pico dos Marins é um ponto turístico muito procurado para a prática de montanhismo. A recomendação é a de que a atividade seja feita nos períodos mais secos do ano, entre abril e agosto.
Os bombeiros orientam que as pessoas não entrem no local sem supervisão de guia profissional, porque a trilha é complexa, com histórico de pessoas perdidas e até mortes.
O caso mais emblemático é o do desaparecimento do escoteiro Marco Aurélio Simon. Em junho de 1985, ele e mais três amigos tentavam alcançar, na companhia de um líder, o cume do Pico dos Marins. No trajeto, um dos meninos torceu o pé e Marco Aurélio, então com 15 anos, voltou para buscar ajuda. Mas o garoto nunca retornou e não foi mais visto. As buscas duraram 28 dias.
O pico tem 2,4 mil metros de altitude e é o quarto maior de todo o Estado de São Paulo. Para chegar ao cume, é preciso passar por uma trilha de terra em que o nível de acesso é considerado de médio a pesado.
O tempo de escalada é longo - ida e volta varia entre sete a oito horas, considerando o período de uma hora de visitação no pico. Ir ao Pico dos Marins exige um bom condicionamento físico dos turistas.
https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2025/05/20/pablo-marcal-vira-reu-por-colocar-em-risco-a-vida-de-32-pessoas-durante-expedicao-ao-pico-dos-marins.ghtml